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| Foto: Nelson Almeida/AFP

A decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, confirmatória da condenação do ex-presidente Lula pela prática dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, produz como efeito jurídico a possibilidade de que sua candidatura para o pleito presidencial de 2018 seja negada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Para uma compreensão um pouco mais detalhada sobre a questão, é relevante dissecar tanto a Constituição Federal de 1988 quanto a legislação eleitoral de regência da matéria, à luz da interpretação dos tribunais.

Primeiramente, cumpre observar a diferença entre inelegibilidade e suspensão de direitos políticos. A Constituição de 1988, no que concerne ao regime jurídico-constitucional dos direitos fundamentais políticos, estabelece hipóteses tanto de inelegibilidade quanto de suspensão desses direitos. A distinção entre inelegibilidade e suspensão de direitos políticos, operada já pelo Supremo Tribunal Federal (ADC 29, ADC 30 e ADI 4.578), é de fundamental importância para a compreensão da matéria. Afinal, a suspensão de direitos políticos, prevista no artigo 15 da Constituição de 88, resulta na impossibilidade de o cidadão votar e ser votado. Já a inelegibilidade – prevista, por exemplo, no artigo 14 da Constituição da República – resulta apenas na impossibilidade de o sujeito ser votado. Logo, uma primeira diferença substancial se apresenta. Mas há, ainda, e por consequência, outro discrímen: se a suspensão (cassação) de direitos políticos decorrer de sentença judicial condenatória, esta deverá ser definitiva (transitada em julgado) para que possa operar seus efeitos. Já no caso da inelegibilidade, não. Isso porque, ocorrentes determinadas hipóteses de inelegibilidade previstas em legislação complementar, o cidadão torna-se inelegível já desde a publicação da decisão judicial, sem necessidade do trânsito em julgado. Uma dessas hipóteses é justamente a condenação decorrente de decisão proferida por órgão judicial colegiado, conforme dispõe o art. 1.º, I, e, da Lei Complementar 64/90, alterada, nesse ponto, pela Lei Complementar 135/2010, a chamada “Lei da Ficha Limpa”. É o caso da decisão do TRF4 proferida em 24 de janeiro.

Processos na esfera criminal, por si sós, não impedem o registro de candidaturas na Justiça Eleitoral

Para além das discussões em torno da (in)elegibilidade do ex-presidente, comenta-se na mídia sobre eventuais restrições à candidatura de Lula pelo fato de ser parte em processos judiciais. Aqui, é importante, primeiramente, destacar a diferença entre processos na esfera criminal e processos na esfera eleitoral. Processos na esfera criminal, por si sós, não impedem o registro de candidaturas na Justiça Eleitoral, tampouco a participação efetiva do candidato no pleito e, se eleito, a diplomação, posse e o exercício do mandato. Pense-se, por exemplo, na hipótese de candidato processado por crime de menor potencial ofensivo. Tais crimes não são impedientes do registro de candidatura, diferentemente dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. É necessário, ainda, analisar em que momento ou fase se encontra o processo.

Já no que diz respeito a processos na esfera eleitoral, tem-se, ali, a discussão, judicial ou administrativa, de candidaturas já apresentadas para registro na Justiça Eleitoral. Em princípio – e, objetivamente, por força de lei –, a Justiça Eleitoral está impossibilitada de acolher o pedido de registro de candidatos condenados por decisão judicial colegiada pelos crimes enunciados na legislação complementar. Inclusive, é importante observar que, dentre os documentos exigidos pela Justiça Eleitoral para a apresentação de pedidos de registro de candidaturas, incluem-se certidões de quitação eleitoral e certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição das Justiças Eleitoral, Federal e Estadual (artigo 11, § 1.º, VI e VII da Lei das Eleições). Essas certidões servem para demonstrar, ao juízo eleitoral, em relação ao pretenso candidato, a existência ou não de processos criminais pendentes, os crimes respectivos e a fase em que se encontram. Mais uma vez, havendo condenação proferida por órgão colegiado em relação aos crimes enunciados na legislação complementar, apresenta-se ilegítimo e ilegal o respectivo registro de candidatura.

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A Lei Complementar 64/90 é clara e objetiva. É importante observar, ainda, que o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu que a inelegibilidade, em hipótese semelhante, incide desde a publicação da decisão condenatória, independentemente da oposição de embargos de declaração (REspe 122-42/CE, PSS 9-10-2012).

Todavia, e evidentemente, a possibilidade de requerer a suspensão da decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região existe, e dependerá do trabalho dos advogados do ex-presidente. A defesa pode, eventualmente, ocupar-se de discutir a situação – evidente – de inelegibilidade. Nada obstante, é de relevo observar que, paralelamente, o cumprimento imediato da pena é questão mais iminente. Afinal, no julgamento do HC 126.292, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, retomar jurisprudência antecedente no sentido da constitucionalidade do cumprimento de pena após sentença condenatória em segunda instância.

Finalmente, podemos, ainda, ficar com a dimensão preponderantemente política, e não jurídica, da democracia. Essa dimensão política depende, essencialmente, do cidadão-eleitor. Aqui, citem-se as palavras de José Jairo Gomes: “Se os documentos e as informações constantes do processo de registro de candidatura são públicos (LE, artigo 11, § 6.º), nada impede que seja facilitada sua consulta pelos interessados, o que pode ser feito pela internet. [...] Sabedor que o candidato responde a processo criminal, dificilmente o eleitor se animará a nele votar; mas, se votar, o fará com consciência e vontade, dentro da liberdade que lhe é assegurada pela Lei Maior. Isso certamente contribui para o amadurecimento do eleitorado, a melhoria da qualidade da representação popular e o aperfeiçoamento das práticas democráticas”.

Ana Lucia Pretto Pereira, pós-doutora em Processo Constitucional pelo PNPD/Capes, é mestre e doutora em Direito Constitucional, com estágio doutoral em Teoria do Direito pela Universidade de Harvard, professora na graduação e no mestrado da UniBrasil e autora de livros e artigos na área de Direito Público.
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