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Dos mesmos criadores de "Lula foi absolvido", temos agora "Maduro não é ditador". O mesmo revés que turbinou no Brasil a tendência esquerdista de patrulhamento ideológico acrescenta ao movimento dos paladinos da virtude um viés de bipolaridade e esquizofrenia social para defesa do indefensável, sem nenhum compromisso com a história e os fatos. A inauguração desse movimento se fez clara quando narrativas substituíram a palavra “anulação” por “absolvição” em referência aos casos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo Lula, no STF.
Desenrolando uma carona esperta com Nietzsche e a relativização da verdade, os defensores do atual governo fizeram na imprensa, na política e na esfera privada um esforço descomunal para justificar a vergonha internacional do encontro bilateral entre os líderes do Brasil e da Venezuela. O governo estendeu o tapete vermelho e os paladinos da virtude, imediatamente, foram atrás, passando pano para limpar as marcas da tortura, do autoritarismo, da corrupção e do narcotráfico deixadas pelas pegadas de Maduro em passagem pelo nosso país.
O PT e seus partidos satélites precisam despertar para o nó na garganta do brasileiro que não quer viver em um país onde o governo finge que tem um projeto de Estado.
O termo “genocida”, vício da militância de esquerda, foi oficialmente sepultado, pelo menos até que seja ressuscitado para se referir a adversários políticos quando for conveniente. O discurso leviano que imputa crimes em uma escala desproporcional deu lugar a um refrão suave e uníssono que pedia consideração aos moldes de uma suposta política internacional que vai beneficiar o Brasil.
O silêncio do Planalto sobre a agressão a jornalistas e o conformismo do mainstream com o caso em tela escancaram o império de relativização moral que já ergueu um castelo no atual governo petista, como quem diz: calma, não é tão absurdo assim! A impressão que fica é de que vivemos a realidade pitoresca e cinematográfica de Matrix ou do clássico da Netflix Fratura, em que não se sabe ao certo o que é real e o que é delírio, o que é factível ou paralelo. Talvez estejamos mesmo ficando loucos ao nos indignar com as honras ao torturador reconhecido pela ONU como tal, e talvez seja razoável sermos constrangidos ao sustentar o óbvio em nossa produção intelectual ao afirmar que a Venezuela não vive uma democracia.
Para o arrepio dos que são donos da virtude, mas desprezam as tradições, a jornalista que vos escreve vai recorrer ao apóstolo Paulo, que ao escrever aos Hebreus cravou: importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. E acrescenta: "Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?".
Ora, se o apóstolo Paulo tivesse conhecido o Brasil de 2023 não poderia ser mais assertivo sobre a razoabilidade de não fugir à verdade e destacá-la como instrumento de sustentação da salvação humana. Assim como Cristo é a verdade suprema descrita pelo texto bíblico, o conhecimento fidedigno dos fatos que sucederam às missões apostólicas era, de acordo com a pregação de Paulo, a base para resistir a distorções e manipulações que buscavam enfraquecer a subsistência da igreja.
Edmund Burke e George Santayana concordaram, cada um a sua forma, que o desconhecimento do passado condena à repetição de fatos. E é assim, negando a história, relativizando o evidente, e ignorando o inquestionável, que o presidente do Brasil abriu o microfone para Maduro contar a tragédia do povo venezuelano do seu ponto de vista criminoso e autoritário.
O PT e seus partidos satélites precisam despertar para o nó na garganta do brasileiro que não quer viver em um país onde o governo finge que tem um projeto de Estado, que é conivente com atentados reais à soberania nacional, e toca uma política tresloucada de revanche e ideologia radical sob o manto de um falso heroísmo. Se não o fizer por honestidade, que seja por respeito à Constituição e ao poder que emana do povo. E se for utópico acreditar que o PT pode assim suceder, como escaparemos nós? Goste a esquerda ou não, a verdade depõe contra esse momento sombrio protagonizado no Brasil por seus líderes. A verdade é inerente à justiça. Fora da verdade não há salvação, não há segurança e não há escape.
Deborah Sena é jornalista e assessora de comunicação.