O ministro da Justiça, Flávio Dino.| Foto: Agência Brasil
Ouça este conteúdo

Um homem branco sobe, lentamente, a rampa do Planalto Central, ao lado dele segue um grupo de oito pessoas, os chamados “representantes do povo brasileiro”: brancos, pretos, indígenas, jovens e idosos, gente com ou sem deficiência e até mesmo, uma cadelinha. A belíssima cena, que poderia ser do final de um filme dramático, repercute no mundo todo, sendo capa nos veículos mais importantes. No Brasil, muitos tiveram a sensação de dever cumprido, pois a mensagem implícita que se transmitiu foi que, a partir daquele momento, seriam representados, e teriam a sua participação incentivada, em todas as esferas de Poder.

CARREGANDO :)

Quase doze meses depois, a sensação é bem diferente. Nem o compromisso assumido no momento da campanha, nem a pressão popular, ou as gritantes estatísticas publicadas no último Censo, demonstrando que o Brasil é um país composto, majoritariamente pelo gênero feminino, e pela cor preta, fez o atual presidente da República refletir sobre a urgência em garantir um Supremo Tribunal Federal com diversidade.

Até a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em setembro desse ano, a maior corte do país era formada por 9 homens e 2 mulheres, todos brancos. É difícil não estranhar a composição em um país em que, segundo o IBGE, 56% da população é negra, e 51,5% é do sexo feminino. Em razão disso, mesmo antes da vaga ser efetivamente aberta, inúmeras campanhas para que a vaga fosse preenchida por uma mulher negra iniciaram. Frise-se que, em 132 anos de história, o Brasil nunca teve uma ministra negra. O Instituto de Defesa da População Negra levou a questão para a Times Square, avenida mais importante do mundo, exibindo a campanha “Todo Mundo tem um Sonho”.

Publicidade

O vídeo viralizou, especialmente por demonstrar a importância da representação de uma forma simples, pois todos nós, em algum momento da vida, procuramos alguém como referência para nossos sonhos. Alguém parecido conosco e que conseguiu chegar lá! Mas, para a surpresa de ninguém, foi anunciado que a segunda indicação do ano do governo Lula, também seria de um homem branco. O agraciado da vez foi o atual ministro da Justiça Flávio Dino. Embora a escolha seja confortável para o governo, é um verdadeiro tapa na cara de muitas “minorias” que se engajaram verdadeiramente, durante as eleições, e que queriam ver na corte mais alta do país alguém que os representasse.

Não falo aqui da competência de Dino para assumir o cargo, é inquestionável que existem milhares de juristas negras, tão, e até mais competentes do que Dino. Assim, a competência não pode ser usada como uma justificativa para a escolha. Alguns dizem que a escolha foi por uma questão de confiança. Mas, se olharmos por esse viés, é ainda mais problemático, já que em seu círculo o presidente teria encontrado apenas homens brancos para confiar. Inevitável não pensar que aquela bela cena, que poderia ser o final épico de um filme, era apenas o começo de uma trama conhecida, com final previsível, e que não desejávamos reviver.

Jennifer Manfrin é advogada, especialista em Direito Aplicado, professora e tutora nos cursos de pós-graduação em Direito do Centro Universitário Internacional Uninter. 

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]