A insistência da presidente Dilma Rousseff em chamar o leilão do Campo de Libra de "compartilhamento" para não chamá-lo de "privatização" lembra a superstição do pessoal de teatro com a peça Macbeth, de Shakespeare: pronunciar a palavra "Macbeth" é o caminho certo para tragédias, desgraças e fracassos; assim, o nome é simplesmente maldito e nunca pronunciado. Fala-se da "peça escocesa". O leilão do Campo de Libra é a peça escocesa da Petrobras.

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Diferentemente de muitos críticos que acham que as regras impostas para o leilão afugentaram os estrangeiros, não me preocupo muito com essa demonstração de desinteresse das petroleiras, pois o óleo do pré-sal continuará lá e poderá ser explorado no futuro. Na realidade, preocupam-me mais as condições que a Petrobras e duas gigantes como a anglo-holandesa Shell e a francesa Total aceitaram para promover a exploração comercial de um produto que se encontra a mais de 6 quilômetros abaixo do nível do mar.

Tudo ou quase tudo que cerca a exploração do petróleo do pré-sal está no campo do "provavelmente" e do "talvez". E isso em um momento em que a questão energética passa por uma enorme reavaliação, a partir da crescente exploração do petróleo do xisto, abundante em várias partes do mundo, menos incerta e mais barata; no refinamento das técnicas de prospecção e de extração submarina; e na recuperação de poços tidos como exauridos, os quais, com tecnologias sofisticadíssimas, voltaram a produzir. O petróleo do pré-sal é uma enorme promessa, mas o prazo e as condições em que essa promessa será resgatada são ainda incógnitas colossais. Aos níveis atuais e previsíveis de preço do petróleo nos próximos anos, o pré-sal é uma aposta arriscada de muitos bilhões de dólares. A própria Petrobras reconhece as incertezas ao mencionar em seu comunicado oficial sobre o assunto que "estimativas sobre o volume de óleo recuperável, custos, investimentos e cronograma dos sistemas de produção desse bloco serão oportuna e paulatinamente divulgadas, à medida que a evolução do programa exploratório mínimo se desenvolva".

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E é aí que a nossa peça escocesa começa a preocupar. Nesse processo de "compartilhamento", a Petrobras ficou com a pior parte: entrou com 40% do dinheiro, que aliás não tem, pois não consta que ela disponha de R$ 6 bilhões livres para pagar a sua parte da outorga; ficou com o risco tecnológico principal, pois a operação estará a cargo da própria Petrobras e de uma nova estatal brasileira, a tal PPSA. E isso em um negócio cuja receita ainda é desconhecida e cuja economicidade dependerá de estudos futuros para ser corretamente avaliada.

Num ambiente institucional como o nosso, em que a transparência dos atos governamentais é pouca ou nenhuma, preocupa-me saber em que condições a Shell, a Total e as estatais chinesas participarão: haverá dinheiro do bondoso e atencioso BNDES para financiar sua presença? Que privilégios foram assegurados a elas para participar e evitar que o leilão ficasse deserto, sem concorrentes, um tremendo fiasco para quem pretendia ter 40 concorrentes lutando avidamente para assegurar um pedaço do maná dos céus?

Enquanto isso, o marketing governamental continuará a fazer piruetas para evitar a palavra maldita "privatização". Não muda um centímetro a essência do que foi feito, mas deixa os supersticiosos aliviados.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.