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A ideia de divinizar mãe sempre me incomodou. Não porque não enxergasse os atributos que as tornam especialmente diferentes dos “demais” humanos, mas pelo peso que se é imputado junto com a ideia. Mães são seres especiais, não divinos, mas nem por isso, menos dignas de serem reconhecidas como “diferenciadas”, diria. Assistia propagandas e absorvia discursos enaltecendo mães como seres divinos e, como divindade perfeita e infalível, contrariar, contestá-las, era se sujeitar a duras críticas. Assim, sob este modelo indefectível de mãe, assumi o fardo me tornando mãe perfeccionista.

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Por muito tempo, desempenhei a missão materna sob a enorme responsabilidade de não só ser, mas também parecer perfeita. No papel de mãe, passei então a desvendar a falácia de que ninguém – nem mães – é perfeito. Mães são mesmo especiais, mas divinas, perfeitas e infalíveis, não. Por isso – e muito mais – agradeço. A constatação mais humilde e realista me conferiu desempenhar a missão de formar adulto saudável para o mundo com a humildade de se reconhecer falha, imperfeita e, ainda assim, feliz porque enfim consciente, enxergo melhor a direção a tomar como mãe de adolescente.

Viver é, antes de tudo, um exercício de aprimoramento humano, mas, por diferentes motivos, mães permanecem no papel de divindade.

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A divinização de mães é mesmo curiosa. A figura da mãe forte, segura, infalível, dona de verdades absolutas e certezas incontestáveis hoje me parece esdrúxula. Educada sob essa ótica, enxergava a mãe como a toda poderosa capaz de lidar – e resolver! – até mesmo os maiores problemas sem se abalar. Se para alguns mães são perfeitas, infalíveis e incontestáveis, para outros – como eu – mães são seres especiais. E isso, para mim, já é um super reconhecimento. Enquanto àqueles, mães nunca erram –“se enganam” – para mim, não só erramos (muito) como também repetimos erros desnecessários como qualquer humano.

A idealização materna como parte de desenvolvimento da criança é saudável e esperada. Indefesa e totalmente dependente, é na fase infantil que se constrói o necessário porto seguro para um crescimento salutar. Mas vivemos de fases e elas mudam enquanto nós, nem sempre. Crescemos, amadurecemos e, naturalmente, nossas necessidades mudam. A cada etapa, uma nova dinâmica se impõe e nos exige mudanças também. Na adolescência de nossos filhos, nossa humanidade aflora de tal modo que ficamos suscetíveis às intempéries da nova fase e "perdemos" a divindade concedida quando éramos mães de uma criança. Mas foi vivendo essa fase que me descobri de novo humana.

Desconstruir a ideia e o papel desempenhado de mãe divina me assustou. A experiência de ver minha própria mãe sofrer imenso desencanto em vida e desvendá-la frágil e fraca, me frustrou na época e me mostrou quem ela realmente era: mãe humana – falível e imperfeita – mas, por uma razão indecifrável, ser diferenciado e especial. Se de um lado desmistificar a divindade de mãe abalou minha segurança por outro me revelou a natureza humana em constante e perene necessidade de aperfeiçoamento, inclusive como mãe. Provou-me a importância da construção do tão falado porto-seguro na fase certa para que, nas fases seguintes, viver as intempéries da vida fosse parte da vida de quem é gente de verdade, imperfeito, falível, mas que formados por este ser especial, cresce de forma saudável para o mundo. Semelhantes na humanidade e diferentes na missão, mães não são divinas mas especiais porque em sua falibilidade têm a capacidade de continuar inspirando os filhos a serem o melhor, mesmo quando a missão se torna pesada.

Mãe de adolescente, o susto de me conscientizar da imensa responsabilidade de formar outro adulto foi imenso. Diante da incrível missão, descobri minhas fragilidades e me frustrei de novo. Desta vez, comigo. Lutei contra sentimentos reprováveis, impróprios a mães ditas "divinas". Cobrava maturidade de filho adolescente ainda em desenvolvimento; criticava sua natural insegurança. Dentre muitos "defeitos", buscava nele a perfeição que ninguém tem; nem mães.

Espelhando no meu adolescente a perfeição um dia creditada a mim e a todas as mães, vivia sobre rastros de conflitos gerados por uma lente infantil e passada, então incompatível com a nova fase. Assim mãe e filho adolescente íamos progressivamente nos afastando. Um dia, ele reagiu: “Mãe, sou adolescente! Tô aprendendo, pô! Sei que tenho que me acostumar a voltar pra casa de ônibus mas tenho medo! E daí? Que saco! Nem por isso, sou um mané! Você acha fácil encarar os manés? Todo dia tem história de alguém sendo assaltado no ônibus, pô!”. Naquela fragilidade assumida por filho, despertei para a óbvia realidade: somos todos humanos. Sim, nos ressentimos de nossas fraquezas, esperando que os filhos adolescentes as superem por um tipo de superpoderes.

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Viver é, antes de tudo, um exercício de aprimoramento humano, mas, por diferentes motivos, mães permanecem no papel de divindade que durante a adolescência afasta os filhos. O fardo da perfeição inatingível é demasiado pesado ao adolescente; deixa de inspirar e vira frustração desnecessária. Assumir a humanidade de ser mãe de adolescente foi tão libertador quanto transformador na minha relação com filho. O fardo se transformou em superação natural e esperada também a mim. Livre das amarras do perfeccionismo permissivo que tanto me distanciava da realidade e de filho adolescente, pudemos reescrever uma história autêntica e diferente da habitual.

A dinâmica hoje expõe minhas fragilidades de mãe humana e imperfeita mas já não me frustro com isso; me inspiro porque a partir delas hoje conheço minha maior meta –comum a todos nós: nos tornarmos seres humanos melhores do que ontem. Nutro com grande carinho a ideia de mãe ser especial hoje consciente de que o é porque não importam as circunstâncias, perseveram incessantemente na missão de formar (e para isso também ser) um adulto saudável para este mundo cada vez mais necessitado de bons modelos possíveis e humanos.

Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]