Foram três dias de guerra urbana, cujo saldo, até dia 16, à tarde, indicavam 130 pessoas mortas, das quais 71 criminosos mortos em confronto com a polícia e 15 presos assassinados nas cadeias. Do outro lado, 29 policiais, 3 guardas municipais, 8 agentes de segurança penitenciária e, para concluir, 4 civis. Não, não é uma cena de guerra convencional. É uma nova modalidade de confronto que se desenrola em São Paulo, quarta maior cidade do planeta e responsável pela produção de riquezas em volume e complexidade maior que a de muitos países.
É um tipo de confronto que escancara o grau de organização, a meu ver, de características transnacionais e nos moldes das empresas capitalistas, do tráfico de drogas e armas combinados com o domínio da tecnologia de comunicação. Uma estrutura que não nasceu ontem, mas que vem se enraizando na sociedade brasileira ao longo de algumas décadas.
No outro lado, o susto da sociedade civil, política e, até, dos órgãos de repressão. O que nos assusta, como sociedade civil, é a constatação do grau de impunidade e da ousadia dessas organizações criminosas. Nesse momento, soluções mirabolantes são apresentadas, em especial pelos apresentadores de televisão.
Como enfrentar esta violência? A curto prazo é necessário cortar a rede de comunicação entre as organizações criminosas, isolar seus principais mentores e impedir o surgimento de novas lideranças. Na área estrita da segurança pública, é preciso investigar as redes e as conexões dessas organizações criminosas com outras, que prezam pela facilitação do tráfico de influência dentro dos presídios, melhorar o controle dos meios de comunicação. No âmbito da justiça e da política, são necessários mais celeridade no julgamento dos crimes, melhor acompanhamento dos apenados (para evitar, por exemplo, que indivíduos com penas já cumpridas continuem presos) e um conjunto de leis e regulamentos de fácil e rápida aplicação.
Também, é necessário colocar o dedo na ferida: de onde vêm as armas pesadas usadas pelos bandidos? Não é só do tráfico internacional, mas também de roubo e assaltos realizados junto às Forças Armadas e mesmo junto a policiais corruptos. Portanto, é preciso separar com clareza polícia de bandido, pois há momentos em que nós, da sociedade civil, temos dúvidas do limite entre ambos. A médio prazo, a sociedade deve discutir e consensar uma política pública de segurança que envolva, necessariamente, atendimento integral ao policial, passando por redes de apoio ao estresse, bom salários e proteção à sua família e moradia. Também, esses profissionais da segurança devem ser continuamente treinados para lidar com o binômio repressão e direitos humanos. Como condição imprescindível, tratamento rigoroso aos policiais que ultrapassem a fronteira do crime.
Mas a sociedade civil também tem sua dose de responsabilidade. Além das medidas repetidas à exaustão, como maior investimento em políticas sociais e em geração de emprego e rendas digna, cada cidadão precisa olhar para si e avaliar, com rigor, as suas práticas cotidianas: quantas vezes deu propina ao policial da esquina, para se livrar de uma penalidade no trânsito? Quantas vezes o "jeitinho brasileiro" foi utilizado para favorecimento pessoal? Quantas vezes elegeram-se como legisladores aquelas pessoas dotadas apenas de uma conta bancária recheada, sem qualquer proposta de ação legislativa voltada ao coletivo? São dessas nossas práticas cotidianas que se estabelece correia de transmissão que permite que haja escândalos recentes como os das máfias da saúde, dos concursos, do favorecimento a partidos etc. Portanto, é necessário que se dê à expressão "serviço público" outro significado que não seja o de servir-se, privadamente, da coisa pública.
Como educadora ouso sugerir a necessidade de se educar a sociedade para que possa inserir-se no mercado de trabalho, como para que enfrente os desafios que o mundo globalizado impõe.
Como dizem alguns especialistas, a sociedade civil e política têm que assumir como projeto coletivo, o investimento pesado juventude: geração de emprego, construção de um projeto coletivo de sociedade. Sem saber qual país queremos, sem auto-estima para nos sentirmos donos de nosso destino, como podemos ensinar aos nossos filhos e alunos que o trabalho e o estudo, que exigem contenção e disciplina, é melhor que o falso glamour da vida criminosa?
Maria Tarcisa Silva Bega é socióloga, professora do Departamento de Ciências Sociais e conselheira do Conselho Estadual de Educação.
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