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Maior rigor punitivo da nova Lei de Licitações afasta os bons empresários das contratações públicas

Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022
Congresso brasileiro. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

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Nas palavras do mestre Floriano Peixoto Azevedo Marques, a nova Lei de Licitações publicada em 1.º de abril deste ano é um “New Beetle normativo”, ou seja, o velho Fusca da Lei 8.666/1993 com algumas inovações que buscaram a modernização do diploma legal. Do ponto de vista penal, a lei trouxe mudanças importantes e apostou no maior rigor punitivo, inclusive inaugurando um novo capítulo no Código Penal.

Ao todo são 11 os crimes envolvendo licitações e contratos administrativos que foram introduzidos no Código Penal, sendo que apenas um deles não era previsto na Lei 8.666/1993. Trata-se do crime de “omissão grave de dado ou informação por projetista”, pelo qual se punirá com pena de seis meses a três anos de reclusão e multa o contratado pela administração pública para elaborar o anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo de obras e serviços de engenharia que omita, modifique ou entregue algum dado ou informação errado. O dispositivo também se aplica àqueles que apresentem esses projetos nas hipóteses de diálogo competitivo ou de procedimento de manifestação de interesse.

O novo crime requer uma conduta dolosa ou com culpa grave do agente. O detalhe do dispositivo está na expressão “omitir, modificar ou entregar à administração pública levantamento cadastral ou condição de contorno em relevante dissonância com a realidade”. Ou seja, não basta simplesmente uma falha, insuficiência ou incorreção do documento para a aplicação do novo tipo penal. O erro deve ser grave e perceptível por qualquer outro profissional que se encontre na mesma posição do agente. Importante destacar que, nos casos dolosos em que o agente comete o crime visando obter benefício, direto ou indireto, para si ou para outrem, a pena é aplicada em dobro, podendo chegar a seis anos de reclusão.

Quanto aos crimes que já eram previstos na Lei 8.666/1993, houve algumas mudanças significativas, principalmente com relação às penas, que sofrem sensível majoração. O primeiro é o crime de contratação inidônea, presente no artigo 337-M da nova Lei de Licitações. Merece menção, pois o dispositivo fracionou o antigo crime previsto no artigo 97 da Lei 8.666/1993, que antevia dois tipos penais, em três. A pena é de um a três anos de reclusão para o agente público que admitir na licitação empresa ou profissional declarado inidôneo. A conduta do agente se agrava se for celebrado o contrato administrativo, subindo a pena para três a seis anos de reclusão.

É possível perceber o rigorismo do dispositivo ao punir o agente público nessas condições. A antiga lei previa a mesma pena para a admissão e a contratação da empresa ou do profissional inidôneo. O que buscou o legislador foi dar uma gradação à gravidade de cada conduta. Trata-se, portanto, nessas hipóteses, de crime próprio no qual o sujeito ativo apenas poderá ser o agente público. O parágrafo segundo ainda estabelece que incorre na mesma pena o particular que, declarado inidôneo, venha a participar da licitação ou contratar com a administração pública.

O crime de fraude à licitação, que sempre foi considerado um dos mais graves referente à matéria, sofreu uma grande majoração na pena. Na Lei 8.666/1993 a pena era de seis meses a dois anos e multa. Com a Lei 14.133/2021, a pena subiu para quatro a oito anos de reclusão. O legislador também substituiu o sujeito passivo do crime de Fazenda Pública para Administração Pública, tornando o crime mais abrangente para, inclusive, abarcar as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Importante destacar que a majoração da pena trazida pelo dispositivo impede que, em casos de fraude à licitação, seja firmado o acordo de não persecução penal previsto pela Lei 13.964/2019. Isso porque o artigo 28-A da referida lei determina que o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal ao investigado que tenha supostamente cometido crime cuja pena mínima não seja superior a quatro anos.

Por fim, cabe destacar o crime de contratação direta ilegal. Primeiramente, ressaltamos que a contratação direta se refere aos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstas na lei de regência. O dispositivo merece apreciação, já que a Lei 14.133/2021 também modificou os valores permitidos para a contratação nos casos de dispensa e nos critérios de inexigibilidade de licitação. Pela nova lei, as contratações de obras e serviços de engenharia ou de manutenção de veículos automotores até o valor de R$ 100 mil ou para outras compras e serviços até o valor de R$ 50 mil dispensam licitação. Os antigos valores da Lei 8.666/1993 eram, respectivamente, R$ 33 mil e R$ 17,6 mil. Ao passo que o dispositivo trouxe maior flexibilidade para as contratações públicas, também conferiu mais austeridade na aplicação de penalidades àqueles que contratarem sem licitação acima dos valores estabelecidos pela lei. A pena prevista pelo artigo 337-E da Lei 14.133/2021 subiu de três a cinco anos de detenção para quatro a oito anos de reclusão.

Outro ponto positivo foi a supressão da criminalização prevista na Lei 8.666/1993 pela inobservância das formalidades pertinentes à licitação e à participação do contratado. Pela nova lei, o tipo penal se aplica apenas ao agente público que contratar sem licitação fora das hipóteses previstas em lei.

Houve algum debate entre os doutrinadores sobre qual valor deveria ser levado em conta para a aplicação do tipo penal durante os próximos dois anos em que as leis 8.666/1993 e nº 14.133/2021 estarão vigentes. Para nós, parece inequívoco que a análise deverá ser feita no caso concreto, observando se na licitação em questão foi utilizada a Lei 8.666/1993 ou a nova Lei de Licitações.

Feita essa primeira análise dos tipos penais, fica nítido perceber que o desejo do legislador foi aumentar ainda mais o rigorismo na lei geral de licitações com o intuito de inibir e combater práticas criminosas. O pano de fundo dessa decisão é o clamor popular de maior punição dos crimes envolvendo a administração pública, tais como os desmantelados pela Operação Lava Jato.

Entretanto, a história já mostrou que o remédio é errado. Doses maiores de punição não são eficazes para diminuir crimes. Vale lembrar que o mesmo contexto existia na promulgação da Lei 8.666/1993, em que o país acabara de passar por um desgastante processo de impeachment do então presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. Mas o que se viu na prática foi um efeito reverso. O excesso de formalismo e punibilidade previstos na Lei 8.666/1993 apenas tornaram o processo licitatório mais moroso e ineficaz, mostrando-se absolutamente incapaz de combater a corrupção. Sem falar que a previsão dos tipos penais na lei de regência das licitações não impediu a formação de cartéis e sobrepreço nas contratações públicas, que seguem estampando a capa dos jornais brasileiros com certa frequência.

Mais uma vez o legislador opta por um caminho tortuoso através do Direito Penal, que pode acabar afastando as boas empresas do certame licitatório, já que com o maior rigor punitivo se aumenta também o risco de contratar com o poder público. Nesse sentido, a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em recomendações feitas ao Brasil para combater cartéis em licitações, não cita qualquer necessidade de recrudescimento da legislação penal, o que na prática pode levar a um número menor de interessados no certame. Ao contrário, a recomendação do órgão internacional é maximização da participação, pois, em sua lógica, quanto mais licitantes no processo, menores são as chances de conluio. Óbvio: quanto mais participantes, maior teria de ser a negociação e a chegada a um consenso para fraudar a licitação. Por fim, vale notar que a OCDE, na recomendação referente à detecção e punição dos cartéis em licitações, lista a necessidade de desenvolver as aptidões e competências técnicas dos tribunais cíveis e dos juízes que tratam de ações de reparação de danos concorrenciais.

Não se pode perder de vista que o Direito Penal é ultima ratio e, por isso, não pode ser utilizado como instrumento político para afagar os desejos da opinião pública. O excesso de pena nunca foi eficaz para combater crimes. Beccaria, já no século 16, defendia que o rigor das penas deve ser relativo ao estado atual da nação. O Brasil perde mais uma vez a oportunidade de amadurecer, valorizando e incentivando a maior participação dos bons empresários nas contratações públicas por excesso de formalismo e rigor punitivo.

Paula Lima Hyppolito Oliveira, advogada pós-graduada em Direito Penal Econômico, é conselheira e diretora da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

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