A redação da maioridade penal passou pelo primeiro teste na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A tramitação de uma emenda constitucional costuma ser longa, esta promete ser ainda mais demorada se levarmos em conta o resultado apertado na votação da quinta-feira (12 a 10).
Quanto mais demorada for uma controvérsia, melhor para a democracia, quanto mais tempo dedicarmos às polêmicas de fundo, mais enriquecida ficará a consciência cidadã. É preciso não temer o debate, nem imaginar que equivale a uma troca pública de insultos ou à exibição de totens e tabus destinados a calar a boca e amarrar a inteligência.
A questão da maioridade penal não pode ser confinada à esfera da segurança pública, ela transcende a conjuntura por mais alarmante que se apresente. Tornar imputáveis menores de 18 e maiores de 16 anos afetará minimamente os atuais índices de criminalidade, mas também não alterará a calamitosa situação dos adolescentes. Nem os falcões nem as pombas têm razão na sua retórica apocalíptica.
O que efetivamente começa agora é o processo de passar a limpo uma Constituição discutida sob pressão do tempo, eivada de preconceitos, prenoções e contradições produzidas ao longo de uma ditadura de 21 anos.
Ainda que nossa Carta Magna consagre em suas páginas iniciais o princípio de que todos são iguais perante a lei (Título II, Capítulo Primeiro, Artigo 5.º) ao longo dos títulos seguintes tropeçamos com uma serie de incoerências cuja maior vítima é o princípio fundamental da isonomia que deve reger o Estado de Direito.
Se o menor de 18 anos é considerado inimputável mesmo que cometa um crime hediondo ou atente contra a segurança do Estado, então por que lhe é facultado o direito de votar e escolher o chefe deste mesmo Estado?
Os defensores do status quo aferram-se ao argumento de que um menor de 18 anos não tem discernimento para distinguir o que é certo do que é errado sob o ponto de vista moral, legal ou humanitário. Mas porque razão oferece-se a este mesmo menor a possibilidade de influir decisivamente no futuro do seu país?
Onde estava a cabeça dos constituintes de 88 que não atentaram para esta assimetria? O Brasil precisa aprender a discutir princípios fundamentais, valores básicos. A questão da maioridade penal é muito maior do que aparenta. Não pode ser ajuizada através das emoções suscitadas pelos brutais assassinatos do menino João Hélio ou da jovem Liana Friedenbach..
Quando, na última quarta-feira, o STF legitimou por unanimidade a CPI da crise aérea na Câmara não dirimia uma pendência episódica no legislativo ou forçava o Executivo a resolver uma crise que se estende há sete meses. Na verdade, garantia às minorias parlamentares o sagrado direito de contestar a maioria e, sobretudo, fiscalizar o governo. É isso o que importa num continente visivelmente tomado por um novo surto de caudilhismo.
Quando o deputado Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara Federal, anuncia a intenção de apressar a tramitação da emenda que cria algo assemelhado a uma Advocacia-Geral para defender o Legislativo de acusações e ofensas, fica evidente que não está interessado em preservar o princípio do equilíbrio entre os poderes. Ao contrário, curva-se ao clientelismo e ao corporativismo ao isentar seus pares de cobranças ou questionamentos como se estivessem livres das obrigações de representar o povo e a nação.
No mesmo dia em que o TSE mandou arquivar o caso do Dossiê Vedoin, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, manifestou-se claramente a favor do controle da mídia durante o período eleitoral. Na realidade, afirmava alto e bom som que não confia no Judiciário e, por isso, quer calar a imprensa sempre que houver eleições.
Nossa agenda de debates é fascinante, desafiadora. Só falta trocar a costumeira inclinação para o episódico e o fragmentário por uma vocação para buscar o que é central e essencial.
Alberto Dines é jornalista.
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