Antes do último ataque a escolas que tomou a mídia brasileira, ocorrido em uma creche de Santa Catarina, uma pesquisa realizada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) levantou 23 registros de ataques com violência extrema em escolas no Brasil desde 2002. O que chamou a atenção dos pesquisadores foi a periodicidade dos atentados: quase metade foi feita em menos de um ano e, mais de um terço, de junho do ano passado para cá. Outra pesquisa, feita pela Universidade de São Paulo (USP), mostra o crescimento acelerado dos ataques: foram mais de dez apenas nos últimos dez meses.
De acordo com o estudo da Unicamp, os 23 ataques realizados em 20 anos mataram 24 estudantes, quatro professores e outros dois profissionais de educação. Os motivos, na maioria dos casos, foram vingança, raiva e cultura extremista. O momento exige que sejam discutidas medidas eficazes de prevenção e combate a novos episódios. É preciso repensar as medidas de segurança, avaliar as fragilidades e revisar os procedimentos adotados nas escolas brasileiras.
Se um estudante começa a postar coisas sobre armas, se o comportamento muda de uma hora para outra, não dá para ignorar.
Segundo especialistas, é comum que os autores desse tipo de crime tenham uma ligação com a instituição que atacam. Geralmente, são escolas onde eles estudam ou já estudaram, um local que conhecem, que fez parte da vida deles e está na memória. É lá, também, que podem ter surgido problemas ou conflitos com professores, funcionários e colegas. Pelas análises, os autores miram, geralmente, funcionários, mulheres, rivais ou colegas que invejavam, buscando algum tipo de revanche.
Essas ações colocam em discussão o papel da imprensa na cobertura e na prevenção desses acontecimentos. Ao ver atos como esse recebendo grande atenção da mídia e da sociedade, agressores em potencial pensam que também terão uma autoimagem “gloriosa". Ao planejar um atentado, eles sabem que serão apresentados de determinada maneira na imprensa, nos telejornais e nas redes sociais – e que seus atos terão maior visibilidade quanto maior o número de mortos.
Não são todos os jornalistas que seguem os protocolos divulgados por especialistas, como evitar a exposição de vítimas e agressores, com a divulgação de imagens, vídeos ou conversas. Essa recomendação tem o objetivo de impedir o chamado “efeito contágio”, que faz com que cada novo atentado seja inspiração para outros mais. Segundo o estudo da Unicamp, a janela para potenciais imitadores é de aproximadamente 13 dias.
Todas as escolas – das mais vulneráveis às mais seguras –, nas suas proporções, estão sujeitas a ataques em massa e, por consequência, à grande cobertura da mídia, podendo colocar em risco a reputação da instituição de ensino. É importante certificar-se de que funcionários, professores e pais são aliados e estão cientes do esforço da escola para prevenir acidentes e ataques, pois eles serão, inevitável e extraoficialmente, entrevistados para dar sua versão do fato. Se um porta-voz da escola não der entrevista prontamente, boatos poderão ser publicados e exibidos como verdade, correndo o risco de deixar a opinião pública contra a escola.
Como o melhor remédio ainda é a prevenção, a segurança não deve ser vista como custo, mas como investimento. Muitas vezes, o perigo está dentro da própria escola. Por isso é tão importante detectar padrões de comportamento suspeitos, já que os autores de ações violentas dão sinais antecipados de que há algo anormal em suas vidas. Em conjunto com familiares, a escola pode diagnosticar sinais de alerta e fazer uma intervenção. Ainda que seja preciso cuidado para não incorrer em generalizações, os estudos sobre ataques dessa natureza revelam pontos em comum: os atiradores tinham vínculo com as escolas, eram ou se sentiam vítimas de bullying e premeditaram o crime – oferecendo sinais que não podem ser desprezados por educadores, pais, especialistas na área de saúde mental e autoridades policiais. Entender esse padrão pode ajudar na prevenção de futuros ataques. Em geral, os agressores têm dificuldade de inserção social e, ainda que muitas vezes não tivessem praticado violência até então, acumulavam algum tipo de ressentimento agudo em relação à sociedade e à comunidade em que viviam. Muitas vezes, identificam a escola como um lugar de opressão e ressentimento e costumam ter alguma relação traumática não elaborada com o lugar.
É preciso muito diálogo entre escola, alunos, pais, professores e funcionários para prevenir, identificar e minimizar os riscos e tranquilizar todos os envolvidos na comunidade escolar. Uma situação de extrema violência, como temos visto acontecer com maior frequência no Brasil nos últimos meses, pode suscitar diversas discussões em sala de aula: bullying, isolamento, depressão, doenças psiquiátricas... De acordo com estudos, os autores deste tipo de crime sofrem frustrações de longo prazo, mas geralmente têm como amigo apenas alguém que os estimule a praticar violência. Os estudantes precisam se sentir acolhidos por todos ao seu redor e acompanhados por profissionais competentes.
E, por fim, é importante que os pais saibam que têm um papel decisivo nessa luta pela paz, harmonia e respeito, não apenas dentro da comunidade escolar, mas em toda a sociedade. Os pais devem conversar com seus filhos adolescentes e escutar o que o jovem tem a dizer, sempre no sentido de oferecer orientação e acolhimento, porque é esperado que muitos jovens sintam-se abalados e inseguros.
Também é função dos pais monitorar as atividades de crianças e jovens nas redes sociais. Por mais que a discussão sobre invasão de privacidade seja válida, os adultos devem verificar conteúdos acessados e produzidos pelos filhos em computadores e celulares. Quando acontece uma tragédia envolvendo crianças e adolescentes, policiais encontram pistas importantes ao olhar o celular e o computador destes jovens. Se um estudante começa a postar coisas sobre armas, se o comportamento muda de uma hora para outra, não dá para ignorar. É preciso intervir logo e procurar ajuda enquanto há tempo.
Lorena Nogaroli é especialista em reputação e gestão de crises de imagem em instituições de ensino e sócia-proprietária da Central Press. Atualmente, dirige o escritório da Central Press no Reino Unido, em Londres.