Depois de uma campanha mais moderada do que em outras ocasiões, sem grandes polêmicas e com candidatos que não refletiam uma liderança real dentro de seus próprios partidos, o Uruguai votou neste domingo, dia 27, no primeiro turno das eleições presidenciais para o período de 2025, a caminho de um segundo turno, como previu a maioria dos pesquisadores e analistas.
O que não estava nas cartas, especialmente na oposição de esquerda Frente Ampla, é ter obtido entre três e quatro pontos a menos do que o esperado, o que cria uma situação incômoda para o segundo turno eleitoral. Por outro lado, o Partido Nacional, de centro-direita, no poder, respira aliviado por recuperar pelo menos mais dois pontos em comparação com as sondagens anteriores. Além disso, espera receber o apoio dos demais partidos políticos.
Segundo dados da Justiça Eleitoral, o oposicionista Yamandú Orsi (Frente Amplio) alcançou 44% dos votos, enquanto Álvaro Delgado, porta-estandarte do presidente Luis Lacalle Pou, obteve 27% dos votos. Mais atrás, representando o Partido Colorado, que já domina o espectro político, Andrés Ojeda apareceu com 16%.
Desta forma, como nenhum dos 11 candidatos ultrapassou os 50% dos votos, será realizado um segundo turno no dia 24 de novembro entre os dois mais votados. Também não haverá maioria parlamentar para nenhum partido.
Com as eleições nacionais, foi realizado um plebiscito para decidir sobre uma reforma previdenciária promovida pelo PIT-CNT, a central sindical do país. A reforma propôs três mudanças, especialmente: estabelecer a idade mínima para se aposentar aos 60 anos após 30 anos de contribuições; garantir que nenhuma reforma ou pensão seja inferior ao Salário Mínimo Nacional, de forma a melhorar a proteção econômica dos reformados; e eliminação das AFAP, as Administradoras dos Fundos de Poupança de Pensões, para permitir que a gestão das reformas seja exclusivamente estatal.
Esta proposta dá resposta a uma anterior reforma governamental, aprovada em 2023, que aumentou progressivamente a idade de reforma para os 65 anos para as pessoas nascidas depois de 1977. Esta medida foi justificada pela necessidade de garantir a sustentabilidade do sistema face ao envelhecimento da população.
Os eleitores também tiveram que decidir por um segundo plebiscito, que buscava autorizar buscas policiais em residências à noite, proibidas pela Constituição. Nenhum deles alcançou os votos necessários (pelo menos 50%) para sua aprovação.
O programa à esquerda
Ambos os candidatos apresentam visões diferentes sobre o futuro político e econômico do país. Orsi, 57 anos, representa a Frente Ampla, partido que governou os 15 anos anteriores a Lacalle Pou, com duas presidências do falecido Tabaré Vázquez (2000-2005 e 2010-2015), intercaladas com a de José Mujica (2005-2010).
Forte na capital Montevidéu, cujo município administra há mais de três décadas, e na região metropolitana, o conglomerado de esquerda, que reúne comunistas, socialistas e ex-guerrilheiros do MPP (tupamaros), entre outros, tem promovido ideias principalmente relacionadas a esquerda, como as leis que promovem o aborto ou o casamento homossexual que, no entanto, o atual governo não procurou revogar.
De acordo com o programa Frente Amplio, Orsi busca revitalizar a política social no Uruguai com foco em habitação, educação e serviços públicos. Propõe plano de acesso à primeira casa para famílias de classe média e maior agilidade nos processos de cooperativas habitacionais.
Orsi tenta posicionar-se como uma alternativa mais inclusiva, criticando o que considera políticas que priorizam a estabilidade econômica em detrimento das necessidades sociais
Por sua vez, a sua plataforma inclui a criação de residências estudantis para facilitar o acesso à universidade a jovens de diferentes regiões e a promoção de habitação coletiva para idosos. Esta agenda reflete uma inclinação para o investimento estatal e o fortalecimento dos programas sociais.
O candidato à continuidade
Por sua vez, Delgado, de 55 anos, representa a continuidade da coligação governamental liderada pelo presidente Lacalle Pou – que tem uma aprovação popular de cerca de 50% –, procurando consolidar o que tem sido chamado de “coligação republicana”. O Partido Nacional, de centro-direita, procura manter o governo, algo que não consegue há 60 anos. E em todo esse período governou apenas na atual administração e na do pai de Lacalle Pou, Luis Alberto Lacalle Herrera (1990-1995).
As propostas de Delgado centram-se na manutenção da estabilidade econômica e na promoção de reformas destinadas à segurança pública e ao mercado de trabalho. Segundo o Banco Mundial, o PIB do Uruguai deverá crescer durante 2024 acima da média da região, até 3,2%, e que em 2025 e 2026 haverá uma desaceleração, com crescimento de 2,6%. Entretanto, a atual taxa de desemprego ronda os 8%.
A campanha do porta-estandarte nacionalista sublinha que esta coligação – que juntou componentes de outros partidos de centro-direita ou de direita – alcançou estabilidade e governabilidade, o que, segundo o candidato, garante um crescimento ordenado e previsível aos investidores.
Portanto, este segundo turno decidirá não apenas quem governará o país, mas também se o Uruguai continuará sob a lógica da chamada coalizão multicolorida ou retornará a um governo de Frente Ampla. Delgado está empenhado em manter a coesão na coligação que integra o Partido Colorado e o Cabildo Abierto, destacando a importância de evitar “mudanças drásticas” que, na sua opinião, possam afetar a governabilidade do país.
Orsi está a tentar posicionar-se como uma alternativa mais inclusiva, criticando o que vê como políticas que deram prioridade à estabilidade econômica em detrimento das necessidades sociais. Além disso, procura atrair eleitores desencantados com as políticas do atual governo, sublinhando a importância de promover a igualdade de oportunidades e serviços de qualidade.
O papel do eleitorado indeciso e dos blocos parlamentares
Ambos os candidatos enfrentam um desafio significativo para atrair eleitores indecisos e apoiantes de partidos menores. As pesquisas sugerem que os eleitores que apoiaram partidos menores no primeiro turno, como o Partido Colorado ou o Cabildo Abierto, poderiam fazer pender a balança no segundo turno.
Além disso, tanto Delgado como Orsi devem trabalhar para garantir o apoio parlamentar que lhes permita governar eficazmente num cenário legislativo fragmentado.
Uma vitória de Delgado focaria mais o Uruguai nos mercados e nas empresas, caminho já trilhado pelo atual presidente Lacalle Pou
Entre os votos a conseguir estarão os do partido Identidade Soberana, que se tornou uma das grandes surpresas ao obter 2,69% dos votos e tornar-se o quarto mais votado nas eleições presidenciais e legislativas. Esse número permitiria estar presente na Câmara dos Deputados com dois representantes.
Seu líder, Gustavo Salle, que mantém um perfil de confronto e critica abertamente a Agenda 2030 sempre que tem oportunidade, garantiu que não votará em novembro e que pagará a multa, o equivalente a cerca de 40 euros (no Uruguai votando é obrigatório).
Outro desafio centrar-se-á também na captação dos votos em branco que, nesta ocasião, totalizaram 64.807 (2,69%), quase 27 mil a mais que no primeiro turno eleitoral de 2019, ou dos que optaram pela anulação do voto, que atingiu 57.791 cidadãos (2,4 %), quase 13 mil a mais que nas últimas eleições presidenciais. A participação neste último domingo, dia 27, foi próxima de 90%.
Embora politicamente o país pareça dividido em grandes sectores, as eleições não mudariam o rumo do país e, quem ganhasse, não haveria mudanças dramáticas. É um ponto sobre o qual os diferentes analistas concordaram. Da mesma forma, uma vitória de Delgado focaria mais esta nação sul-americana nos mercados e nas empresas – um caminho já percorrido por Lacalle Pou – e uma vitória de Orsi fortaleceria o papel do Estado.
©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Más Estado o más mercado, la alternativa en las elecciones presidenciales de Uruguay
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