Segundo o site ShareAmerica, Cuba tem 1000 presos políticos, dos quais 700 estiveram envolvidos nos protestos de 11 de julho de 2021. O STF informou, em 19 de janeiro, terem sido realizadas 1459 audiências de custódia com detentos dos dias 8 e 9 daquele mês.
Não gosto de analogias tão baratas quanto esta que farei ao comparar a situação nacional com o mar de lama que varreu o litoral paulista e tomou conta das telinhas e dos telões. Foi tanta a lama que até a Globo e a CNN passaram várias horas contando vítimas sem atribuir uma sequer ao ex-presidente.
O Estado brasileiro descobriu que a vida lhe fica mais fácil quando se mantém distante dos cidadãos.
A cada cena, era inevitável pensar no que o Estado brasileiro está fazendo com o Brasil. Vivemos sob um governo que para ser eleito surfou nas ondas serenas das mistificações para, tão logo empossado, desmanchar com a pancadaria de sua insensatez tudo que deveria ser sólido – fosse teto, fosse piso. Figurativamente, joguem-se montanhas ao mar se isso for necessário para destruir a memória de seu antecessor.
Assim como o dependente químico também se vicia em consumir os recursos da família, o Estado brasileiro viciou-se em extorquir a sociedade para manter o abusivo padrão de consumo a que habituou seu metabolismo. O exemplo disso, todos sabem, vem da cúpula dos poderes do Estado em cifras bilionárias.
O Estado brasileiro descobriu que a vida lhe fica mais fácil quando se mantém distante dos cidadãos. Por isso, a exemplo de tantas concessionárias de serviços públicos, corta os canais de atendimento pessoal e se isola numa bolha de convivência onde os rapapés do oficialismo, os tapinhas na face e os abraços afetuosos fazem parecer civilizadas as mais repulsivas relações. Não sou eu quem o diz. Todos o ouvimos em reiterados testemunhos de respeitados senadores da República.
Sim, têm que viver na bolha brasiliense, distantes dos cidadãos que clamam no deserto das carências por uma liberdade sem tornozeleiras no pensamento e na opinião, por uma democracia substantiva sem adjetivos, por uma política menos judicializada, por uma Justiça menos politizada e por uma representação mais representativa (para ficar apenas no plano das instituições).
Impossível contemplar os contrafortes da Serra do Mar sob a pressão das águas, a buscar um novo ponto de equilíbrio, e não pensar no desequilíbrio da balança da Justiça em nosso país. Tanta impunidade! Tanto bandido operando os instrumentos do poder; o crime organizado ampliando suas estruturas; a criminalidade rueira acossando mais e mais os cidadãos. Mas o Brasil, graças ao implacável senso de justiça de uns, com o silêncio de tantos e aplaudido por outros, chegou a ter, nas últimas semanas, mais presos políticos do que Cuba.
Percival Puggina, arquiteto, empresário e escritor, é membro da Academia Rio-Grandense de Letras, e autor das obras “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a tragédia da utopia”; “Pombas e Gaviões”; e “A Tomada do Brasil”. É integrante do grupo Pensar+ e autor do site Liberais e Conservadores.