| Foto: Carl de Souza/AFP

Diante de tantas questões que emergem na nossa sociedade contemporânea, impregnada por valores antropocêntricos e capitalistas plausíveis de causarem tanta dor e sofrimento, despontou, no último domingo, a morte do Museu Nacional do Rio de Janeiro – um dia antes da comemoração de 39 anos da profissão do biólogo e a cinco dias da comemoração da Independência do Brasil –, causando muita dor não apenas em um grupo profissional ou em uma nação já tão judiada, mas na nossa própria história.

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A cobertura do incêndio está sendo paulatinamente tomada por justificativas, argumentações e sentimentos de pesar, lamentação e indignação, levando-nos a questionar quem são os agentes morais e os vulneráveis nessa tragédia anunciada como tantas outras: desde incêndios que consumiram centenárias coleções científicas (como no Instituto Butantã, em 2010) ou instalações tecnológicas (como o Museu da Língua Portuguesa, em 2015), até um dos maiores desastres ambientais do mundo, a morte do Rio Doce, também em 2015.

Os mantenedores do museu se eximem da situação atribuindo a responsabilidade à diminuição de verbas

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Pouco depois de ter completado 200 anos, o Museu Nacional é mais uma vítima, congregando, além do registro da nossa história, o desenvolvimento da ciência e o direito da população a se inserir nesse universo. Um palácio que pertenceu à família real e comportou a sede da primeira Assembleia Constituinte guardava o maior acervo arqueológico da América Latina, com o mais antigo fóssil humano brasileiro (de 11 mil anos), o esqueleto de um dinossauro mineiro de 80 milhões de anos, o maior meteorito que caiu em nossas terras, além de coleções zoológicas, botânicas, indígenas e documentos bibliográficos históricos, congregando em torno de 20 milhões de itens.

Os mantenedores do museu se eximem da situação atribuindo a responsabilidade à diminuição de verbas decorrentes de lapidação dos recursos públicos decorrentes da má gestão anterior. Os gestores do museu se defendem da alegação da população de que o prédio estava em más condições, com instalações elétricas aparentes, goteiras, queda de reboco e infestação de cupins, atribuindo a responsabilidade à recessão de verbas destinadas à manutenção, reduzidas em 60%. A tragédia foi maximizada em decorrência da falta de logística para conter as chamas.

Opinião da Gazeta: O retrato do descaso (editorial de 3 de setembro de 2018)

Leia também: Com o Bendegó na janela (artigo de Tom Grando, publicado em 5 de setembro de 2018)

Quem é responsável e quem é vulnerável? Nessa complexa questão, todos nós tomamos decisões baseadas em valores. Se nosso valor comum for a vida, o cuidado da mesma está condicionado à ciência que decorre do conhecimento, conservação e propagação da nossa história e da nossa biodiversidade. Hoje, vulnerável é a ciência, que perde um trabalho de excelência de 200 anos, que perde registros que fomentam o conhecimento, que perde o canal de comunicação com a sociedade no fortalecimento da sua identidade. As lamentações e acusações se propagam, mas isso não exime a responsabilidade de cada um de nós de se inserir na esfera de cuidado do nosso patrimônio, fazendo-se protagonistas, não aceitando com passividade atitudes que coloquem em risco o que é um valor de uma nação, em prol de interesses particulares de alguns poucos. O Brasil precisa de cidadãos críticos, que se posicionem em prol de uma sociedade mais justa, e isso inclui o respeito com o nosso passado, presente e futuro.

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Marta Luciane Fischer é professora do Programa de Pós-Graduação em Bioética e da Escola Ciência da Vida da PUCPR.