| Foto: Marcos Tavares/Thapcom
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Sabe aquele sentimento de ver o ônibus saindo do ponto sem você? É o sentimento que a célebre frase de Roberto Campos faz ecoar nas mentes e corações dos tributaristas brasileiros: “o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”.

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Ainda sem apresentar a segunda parte da reforma tributária, o Ministério da Economia pode perder uma grande oportunidade de mostrar o tom que defende para o sistema tributário. Isso porque, ao priorizar a discussão de impostos indiretos, o governo federal deixa de lado reformas importantes do Imposto sobre a Renda. O IRPF começa com a alíquota de 7,5% e finaliza com 27,5% para quem ganha acima de R$ 4.664,68; apesar de esse valor colocar qualquer um dentre os 10% mais ricos do país, não necessariamente faz sentido tirar mais de um quarto dessa renda.

A equipe econômica estuda diminuir essas alíquotas e criar uma maior, de 35%, para rendas acima de R$ 39 mil. Mas parece haver um jabuti entre as fatias da reforma. A alteração na tributação sobre a renda irá privilegiar as empresas e restituir a tributação de lucros e dividendos, desincentivando as empresas a distribuírem lucros aos acionistas.

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Com a infinidade de contribuintes que ou são microempresas optantes pelo Simples ou são empresas do Lucro Presumido, a troca pode acabar beneficiando apenas as empresas do Lucro Real. Estas contam com uma contabilidade capaz de fazer um planejamento eficiente. Isto é praticamente um convite para que os sócios da empresa passem a adquirir bens em nome da mesma, porém para uso pessoal, aprofundando o grave problema de confusão patrimonial que prejudica as empresas e dificulta a tributação.

O governo perde a oportunidade de atualizar a tabela progressiva e ampliar as possibilidades de dedução, tanto para pessoas jurídicas quanto para pessoas físicas, levando mais contribuintes a declarar sua renda de forma realista e por aquele que é, dentre todas as injustiças, talvez o mais justo dos tributos. Paulo Guedes, no entanto, prefere investir em limitar as deduções, como as de despesas médicas, opção que irá levar os que podem pagar advogados a recorrer aos tribunais alegando certa inconstitucionalidade da medida.

Se pela progressão das alíquotas e deduções, além da atualização do IRPF (e, por que não, uma diminuição da alíquota do IRPJ?), Paulo Guedes estaria promovendo uma pacificação sobre o conceito constitucional de renda; afinal, a renda não considera somente os ganhos, mas também deve considerar os gastos que o contribuinte teve para auferir. Com um incentivo para que mais pessoas declarem sua renda, até mesmo o projeto de alteração e ampliação do Bolsa Família, o Renda Brasil, poderia ser beneficiado e tomar um rumo mais eficiente e específico para aqueles que dele necessitam, diferentemente do que aconteceu com o auxílio emergencial.

Contudo, os planos para a tributação da renda ainda não foram apresentados totalmente. Há a possibilidade de ficarem apenas na intenção durante esse mandato de Jair Bolsonaro, como vem acontecendo já há alguns anos. Assim, uma reforma tributária que mude o cenário brasileiro pode continuar como uma grande oportunidade perdida de mostrar o tom do que queremos como país.

Ítalo Cunha é advogado fundador da Juddi e fellow da Global Competitive Leadership Program da Georgetown University. João Filippe Rossi Rodrigues é advogado e especialista pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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