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Mais uma vez, o jeitinho

Programas de transferência de renda como o Bolsa Família são fundamentais para aliviar a situação das famílias em situação de vulnerabilidade e retirá-las da pobreza. (Foto: Tony Winston/Agência Brasília)

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A revisão da regra do teto de gastos para abrir espaço no orçamento com o objetivo de elevar os valores do novo Bolsa Família terá efeitos opostos ao esperado para as famílias que se encontram em situação de pobreza ou extrema pobreza.

O teto de gastos é uma importante âncora fiscal que dá mais estabilidade para a economia brasileira e, dessa forma, reduz a pressão sobre o Banco Central em utilizar a taxa de juros para controlar a inflação. A pressão pelo aumento dos gastos públicos e a consequente situação frágil do orçamento nas três esferas de governo é um dos “calcanhares de Aquiles” da economia brasileira desde a Constituição de 1988 ou até mesmo antes. Problema que ainda não foi solucionado, o que ajuda a entender o fraco desempenho da economia brasileira nas últimas quatro décadas.

O aumento dos recursos para os cidadãos menos favorecidos é de extrema relevância e necessário, ainda mais em um momento de crescimento da pobreza decorrente da queda na renda e perda de emprego por boa parte dos brasileiros, além da dívida histórica que temos com eles. No entanto, reformas para criar o espaço fiscal de forma responsável não foram realizadas, exceto pela previdenciária, que já estava encomendada do governo anterior e que teve participação mais importante do Legislativo do que do Executivo, mas que não foi suficiente para abrir o espaço fiscal necessário para o novo programa.

O teto de gastos é uma importante âncora fiscal que dá mais estabilidade para a economia brasileira e, dessa forma, reduz a pressão sobre o Banco Central em utilizar a taxa de juros para controlar a inflação.

A mudança do período de contabilização da inflação para o ajuste do teto de gastos de um ano para outro é um ataque direto a essa relevante âncora fiscal que já vem causando mais incerteza econômica, com efeitos negativos sobre investimentos e pressionando por juros mais elevados para que se consiga controlar o processo inflacionário, que já está na casa dos dois dígitos nos últimos 12 meses. Cabe destacar que o processo de elevação dos juros, além de piorar o desempenho econômico, leva a uma deterioração das contas públicas, visto que quase metade dos títulos públicos é indexada à taxa Selic.

Os resultados irão aparecer em um crescimento ainda mais modesto, maiores taxas de juros e menor criação de empregos já em 2022, sendo que essas consequências negativas irão recair, sobretudo, nas classes menos favorecidas. Portanto, a ajuda via novo Bolsa Família trará consequências negativas sobre a economia, que irão afetar ainda mais a classe que se pretende beneficiar, podendo até reduzir as probabilidades de reeleição do presidente – a verdadeira intenção, sabemos todos, de elevar os recursos para os mais pobres.

Programas de transferência de renda como o Bolsa Família, que exigem contrapartidas como frequência dos filhos nas escolas e de carteira de vacinação em dia, são fundamentais para aliviar a situação dessas famílias e retirá-las da pobreza. É preciso ir ainda além, fornecendo escola de qualidade, maior acesso a saúde, atividades lúdicas às crianças, suporte psicológico aos membros da família, cursos profissionalizantes para os chefes de família que se encontram desempregados, entre outros, além de maior crescimento econômico com geração de empregos. No entanto, tentar elevar a renda dessas famílias com fins eleitoreiros e “dando um jeitinho” somente irá piorar a situação para todos.

Luciano Nakabashi, doutor em Economia, é professor associado da Fearp/USP e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Fearp/USP.

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