O título do texto é plagiado de Freud. Em seu texto (em síntese despretensiosa), Freud trata dos efeitos e impactos da repressão que a civilização ou a sociedade civilizada impõe aos indivíduos, que em sociedade devem controlar seus impulsos e instintos básicos para bem viver e bem se relacionar. Esta repressão impossibilitaria o indivíduo de gozar da total liberdade e concretizar seu anseio de felicidade, mas de certo modo possibilitaria a vida em comunidade.
A sociedade civilizada é contemporânea de seu tempo e escrava de sua realidade social, cultural e geográfica. A afirmação pode parecer estranha ou redundante, mas tem seu sentido lógico. Implica reconhecer que o que já foi considerado “civilizado” antes pode hoje não ser. O que é tido por “civilizado” em uma cultura pode não ser em outra.
Mas há núcleos comuns que caracterizam uma civilização. Num certo sentido, pode ser tida por civilizada uma sociedade que reconhece, protege e preserva direitos e garantias fundamentais, aqueles direitos e garantias humanos que foram gravados em uma Constituição – em nosso caso, na Constituição da República de 1988.
Defender um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é algo que se possa ou deva vincular a uma ideologia ou concepção política
A representação normativo-constitucional de certos valores jurídicos é uma manifestação inequívoca de civilização. O registro de valores jurídicos fundamentais numa carta constitucional, de alteração complexa e difícil, implica que uma sociedade fez escolhas elementares e de proteção de certos objetos como um referencial de seus marcos civilizatórios.
Uma das escolhas fundamentais expressadas na Constituição de 1988 foi pela preservação e conservação do meio ambiente. Não por outra razão o artigo 225 prevê que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que é dever do Estado e de toda a sociedade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e para as futuras gerações.
Claro que se pode argumentar que ao lado deste valor jurídico estão outros, de igual importância. O desenvolvimento econômico é um deles. Contudo, o desenvolvimento econômico que preceitua a Constituição é o sustentável – aquele que toma em conta a necessidade de defesa e preservação do meio ambiente. Neste sentido, podemos dizer que a Constituição implica uma espécie de repressão civilizatória ao instinto do desenvolvimento econômico sem consideração dos custos ambientais negativos.
Causa espécie e preocupação, sob a ótica de uma nação que se diz ou pretende civilizada, a depreciação ou o desmerecimento do valor jurídico meio ambiente ecologicamente equilibrado, que deve ser protegido, preservado e conservado.
Ninguém em sã consciência pode ser contra o desenvolvimento econômico. Mas é preciso razão para distinguir tecnicamente os recursos naturais que podem ter utilização racional, garantindo sua sustentabilidade (conservação), daqueles que devem permanecer intactos e sem interferência da ação humana (preservação).
Defender um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é algo que se possa ou deva vincular a uma ideologia ou concepção política. Não é causa de esquerda, de direita, azul, amarela ou cor de rosa. É causa civilizatória e de preservação de qualidade de vida humana e de outros seres que conosco habitam este planeta – quiçá mesmo de preservação da própria vida humana.
Este marco civilizatório à toda vista vem causando mal-estar em alguns personagens da vida política nacional, que parecem não se ajustar à necessidade de reprimir instintos mais básicos e elementares em prol do cumprimento da Constituição. Se a Europa ou os Estados Unidos já devastaram seu meio ambiente, o fizeram em outro tempo, em outra civilização, portanto. Se a Europa preserva apenas dois palmos de mata ciliar, é porque a devastou em outros tempos, em outra civilização. Não o faria hoje. O nosso tempo brasileiro é o agora, e deve ser utilizado para cumprimento do valor constitucional de preservação e conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, provando que somos civilizados.
José Anacleto Abduch Santos, advogado e procurador do Estado, é mestre e doutor em Direito Administrativo, professor do UniCuritiba e coordenador do curso de Especialização em Licitações e Contratos Administrativos do UniBrasil.