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Maldito vício
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No Brasil, todos defendem distribuição de renda, mas dependem da sua concentração. É nossa droga: ela nos mata, mas vivemos com ela. Nascemos concentrando a terra em capitanias e nunca fizemos a reforma agrária. O latifúndio é um vício e uma característica nacional.

Tanto esquerda quanto direita defenderam a inflação que concentra renda. Economistas de ambos os lados defenderam medidas desenvolvimentistas que concentravam renda, especialmente pela inflação, mas também priorizando estradas para carros, infraestrutura para a economia voltada para os ricos, desprezando saneamento e escola para os pobres.

Quando a demanda dos poucos ricos se esgotou, criou-se a dinâmica pela substituição de carros pela simples razão de terem sido fabricados no ano anterior. Quando os carros ficaram sem compradores, concentraram a renda no sistema financeiro, emprestando dinheiro e endividando a classe média baixa para que comprasse carros.

Passou-se a raciocinar que era preciso criar ricos, para dar emprego aos pobres. Concentrar renda, para empregar os que não tinham. Aos poucos, as medidas distributivas foram relegadas em benefício do desenvolvimento imediato concentrador.

Até mesmo na educação, o Brasil inteiro, não só os políticos, prefere investir entre os poucos milhões de universitários do que para os 50 milhões de crianças em idade para educação de base. Há no Brasil um sentimento que a boa educação é um privilégio de poucos. O maldito vício não nos permite acreditar que os filhos dos pobres têm direito e competência para estudarem na mesma escola dos filhos dos ricos.

O vício brasileiro é tão forte que a loteria é vista como distribuidora de renda, apesar de semanalmente transferir pequenas rendas de milhões de pessoas para concentrá-las nos poucos vencedores.

Nosso vício pela concentração é tão grande que pessoas não medem sua renda pelo poder de compra, mas pelo número de salários mínimos que recebem. Ainda que a renda suba, consideram como perda o ganho que tiveram em relação a um número menor de salários mínimos.

No imaginário brasileiro é preciso elevar as rendas inferiores sem qualquer sacrifício nas rendas superiores. Portanto, distribuir sem distribuir, desconcentrar sem tocar na concentração. Como um dependente da droga que deseja se livrar dela, mas sem perder o vício nem a dependência.

O mais sintomático é que a única forma de ampliar a renda de todos e criar um mecanismo de distribuição seria pela implantação de um sistema educacional de base com qualidade igual para todos: pobres e ricos nas mesmas escolas. Mas o maldito vício da concentração não permite surgir um sentimento que defenda esse propósito. Nossa população não acredita que isso seja possível. O maldito vício domina a lógica e a vontade.

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