Não é necessário percorrer as estatísticas. Basta enxergar a realidade para concluir que os brasileiros ainda votam em homens e não em partidos. A cada eleição, raríssimos são os votos destinados apenas às legendas. A preferência é pelo nome dos candidatos.

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Vem agora o Tribunal Superior Eleitoral e, numa medida que passa longe dessa realidade, pretende introduzir a fórceps no panorama eleitoral, com efeito retroativo, uma fidelidade partidária rígida, impondo a perda de mandato ao que, após a proclamação da eleição, mudar de partido.

Certo é que na maioria dos países de democracia madura (estágio ainda longe da adolescência em que está o Estado brasileiro), a infidelidade do mandatário político conduz à perda de mandato, não porque a lei o impõe (fidelidade é um sentimento, não uma obrigação), mas porque o próprio eleitorado, atento à instabilidade política do candidato, não o reelege, afinal não sente segurança suficiente para dar-lhe o voto. Ainda há verdade na já antiga lição de John Locke quando afirma que toda relação de poder é uma relação de confiança. A relação de poder se resume a uma "trusteeship".

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No Brasil, essa relação de confiança ainda se estabelece com a pessoa do mandatário, e não com o partido. O mandato, portanto, é entregue ao mandatário, e não ao partido, tanto que o sistema eleitoral proporcional, empregado para a escolha de mandatários no Poder Legislativo (à exceção dos senadores), pede conjugação dos votos dados aos candidatos, que são também contados como votos dados ao partido.

Assim, o sistema proporcional permite concluir, quando muito, que o mandato é exercido de forma compartilhada entre o mandatário e o partido. Mas não autoriza afirmar que pertence exclusivamente ao partido. Não é por outra razão que, ao deixar o partido pelo qual desempenha o mandato, o parlamentar fica sujeito a sanções tal como a perda de participação em comissões, outorgada em função da representação partidária.

Além de buscar contrariar a realidade, ao pretender que o mandato seja reconhecido ao partido e não ao eleito, o TSE, antecipa parte da reforma política que vem sendo decantada no Congresso Nacional e invade tema reservado ao tratamento por emenda constitucional, pois somente o Poder Legislativo tem legitimação direta para fazê-lo, e não o Poder Judiciário, composto por membros não eleitos. Ao mesmo tempo, sob o mote de que busca moralizar as eleições, permite com a tese inovadora livrar o Poder Executivo do controle que o submete ao Poder Legislativo, pois, não sendo permitido aos deputados e vereadores discordarem a postura de seu partido, a representação do povo brasileiro transita do Congresso Nacional para as mãos de poucos dirigentes partidários, bastando ao presidente da República, governadores e prefeitos articularem acordos com dois ou três grandes partidos para obterem a chancela incondicional de todos os seus atos. A democracia de partidos é uma oligarquia.

Fernando Gustavo Knoerr é doutor em Direito do Estado e professor de Direito Eleitoral do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos.