O jornalismo de qualidade é sempre o melhor aliado da cidadania. É o que se vê na série de reportagens do jornal Gazeta do Povo e a RPCTV, veiculadas nos últimos dias. Os repórteres Katia Brembatti, Karlos Kohlbach, James Alberti e Gabriel Tabatcheik devassaram uma poderosa máquina de corrupção que, há anos, domina o Poder Legislativo do Paraná.
A Assembleia Legislativa do Paraná esconde 56,7% de seus atos em diários avulsos, inacessíveis ao público, muitos sem numeração e publicados em datas aleatórias, desconectadas com a época dos fatos publicados. A prática encobre uma impressionante máfia administrativa. Os repórteres tiveram acesso a mais de 700 diários editados entre 1998 e 2009 e durante dois anos cruzaram o conteúdo das publicações. Esse formidável investimento em jornalismo investigativo revela situações como a da agricultora Jerminê Leal e sua filha Vanilda Leal, moradoras em casas pobres, de chão batido, na área rural de Cerro Azul, a 100 km de Curitiba. Sobrevivem graças ao Bolsa Família. Mas na documentação da Assembleia Legislativa do Paraná aparecem como beneficiárias de R$ 1,6 milhão ao longo de cinco anos, dinheiro que nunca viram. A Assembleia Legislativa confirma que Vanilda era funcionária, mas não sabe dizer para quem ela trabalhava. O exemplo, caro leitor, é só a ponta de um iceberg de podridão, corrupção e cinismo.
O acesso aos diários oficiais tanto os numerados quanto alguns avulsos permitiu lançar um pouco de luz nos bastidores de uma Casa que administrou um orçamento de R$ 319 milhões em 2009. E também situações inusitadas, como a publicação em diário oficial de atos prevendo contratações que só aconteceriam dez meses depois. Apoiados numa curiosa máquina do tempo, os dirigentes da Casa fazem contratações e demissões retroativas em meses e até em anos e outras antecipadas, como se o responsável pela publicação pudesse adivinhar quando um empregado seria contratado ou demitido.
Um exemplo é a contratação da servidora Elizandra Polak Luvizotto, publicada no Diário n.º 24, de 26 de março de 2008. Poderia ser somente mais um ato corriqueiro da mesa executiva nomeando um servidor para o setor de Coordenadoria de Cerimonial e Relações. No entanto, a data da nomeação, em que ela efetivamente teria começado a trabalhar, consta como 6 de junho de 2001. Ou seja, uma contratação retroativa em quase seis anos. Em todo esse período, a servidora não teve sua nomeação formalizada. O caso tem ainda outro agravante: em nenhum dos diários oficiais numerados consta a demissão de Elizandra. No entanto, o nome dela não aparece na lista de servidores divulgada no ano passado. Se ela ainda recebe da Assembleia, seu nome foi escondido. E, se já foi demitida, o ato continua secreto.
Outro exemplo é a contratação de Maria da Glória Teixeira Pires para o gabinete da Administração da Casa. Ela teria começado a trabalhar em primeiro de abril de 2004, mas a publicação de sua nomeação só acontece quase quatro anos depois, no Diário n.º 10, de 27 de fevereiro de 2008. Se retroagir no tempo parece absurdo, os diários oficiais também registram "contratações futuras" verdadeiras adivinhações promovidas pela administração da Assembleia. É o caso de Sandra Beatriz Formighieri Niederauer, cuja contratação para o gabinete do deputado Caíto Quintana foi publicada em diário oficial no dia 14 de fevereiro de 2006. O ato, porém, foi assinado pelo então presidente Hermas Brandão apenas em dezembro de 2006 somente 11 meses depois do diário. Impressionante!
O escândalo, mais um capítulo da infindável novela da corrupção que castiga o Brasil, pode provocar pessimismo e desalento. Iludem-se, no entanto, os que imaginam que tudo ficará como está. O Brasil, dolorosa e lentamente, está passando por uma profunda mudança cultural. Os que querem controlar a imprensa, com argumentos recorrentes como as chuvas de verão, querem apenas um salvo-conduto para a prática do banditismo.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). difranco@iics.org.br