O dia 9 de março tem um significado especialíssimo para mim, primeiro por ser aniversário de minha mãe e segundo porque foi nesse dia, no já longínquo 1964, que aportei de volta ao Paraná, depois de morar 14 anos no Rio de Janeiro. Vinha disposto a ficar pouco tempo, um ou dois anos no máximo, para satisfazer os desejos da família, especialmente de meu pai, preocupado com os estragos que as tentações da cidade grande poderiam produzir em mim, já que meu avô, com quem morava, havia morrido no ano anterior. Depois, nos meus planos, estava o Rio de novo.
Mas eu não contava com os fados, a força do destino e a boa fortuna. Conheci a Elizabeth, que virou a minha cabeça definitivamente. Casei e nossas duas filhas nasceram aqui, como também o nosso neto. Fiz muitos amigos e conquistei a confiança de alguns deles, que me ajudaram enormemente a impulsionar a carreira profissional. Amealhei alguns desafetos o que também me ajudou enormemente a impulsionar minha carreira e tive ainda um outro enorme privilégio: o de ver o Paraná crescer, transformar-se, diversificar-se, urbanizar-se. Aquilo que em muitos lugares do mundo demorou séculos para se materializar, aconteceu aqui em poucas décadas.
Trabalhando com o querido coronel Alípio Ayres de Carvalho, então secretário de Viação e Obras Públicas do governo de Ney Braga, percorri o estado inteiro em pouco mais de um ano. O Paraná dos anos 60 era um arquipélago em todos os sentidos figurados, em que algumas "ilhas" eram cercadas de carências absolutas: a energia elétrica era uma luxuosa raridade e quando conheci Cascavel, em 1965, entendi o real significado do termo "meia-luz". À medida em que a noite chegava, as lâmpadas acesas se transformavam em rubros tomates. Eu havia chegado de Foz do Iguaçu, outra cidade de fronteira, onde existia apenas uma rua asfaltada, a Avenida Brasil, e dois hotéis dignos desse nome, um deles, inacessível pelo preço, o histórico Cataratas. A viagem tinha sido uma aventura pois a BR-277 estava em construção e o asfalto era uma distante promessa. Cidades como Medianeira e Matelândia eram meros povoados e a região era uma área sendo desbravada. O pó vermelho entrava pelo nariz, pela garganta, irritava os olhos e se entranhava irremediavelmente na roupa.
O Norte do Paraná já estava em um estágio mais avançado e Londrina, Maringá, e algumas outras poucas cidades (vou parar a enumeração para evitar acirrar os regionalismos bairristas) já mereciam esse nome. Mas muitas outras estavam em plena adolescência, como Campo Mourão, Umuarama, Paranavaí. No Sudoeste, Marrecas, que recentemente havia mudado o nome para Francisco Beltrão, se digladiava com Pato Branco para se afirmar como centro regional, abandonando o apelido de "quilômetro 59", apenas um marco na estrada, que os patobranquenses maldosamente lhe atribuíam. A viagem pelas pequenas cidades que nasciam era uma aventura excitante pela trepidação econômica e cultural que se sentia no ar, mas profundamente incômoda pela trepidação dos velhos jipes e Rural Willys em estradinhas e carreadores maltratados. Marmeleiro, Planalto, Realeza, Planalto, Salgado Filho, Vitorino e toda a região eram promessas, só promessas. Hotéis? Nem pensar. Em algumas cidades, nos hospedávamos em hospitais; em outras, na casa do prefeito ou de algum figurão local. Mas a economia e a política fervilhavam. As concentrações políticas e as visitas das "autoridades" atraiam comitivas sempre amistosas, mas nem sempre pacientes: os indefectíveis memoriais com rosários de reivindicações locais eram entremeados com queixas diretas e sem muitos salamaleques de que o governo havia abandonado a região. Ouvia-se na fuça a impaciente cobrança da população.
Estradas? É, havia algumas dignas dessa denominação. Ney Braga estava completando a Rodovia do Café, ligando o Norte à capital e ao porto por asfalto e serenando os ânimos separatistas dos adeptos da criação de um estado do Paranapanema. A partir de Maringá, asfalto nem pensar e no Norte Pioneiro, fora do eixo LondrinaJacarezinho, idem. Escolas? A maior parte das cidades mal e mal tinha o ensino primário e o ginasial e freqüentar o ensino médio representava para os filhos das famílias das cidades pequenas embarcar em um microônibus e viajar dezenas de quilômetros para assistir aulas em um município vizinho, mais afortunado.
Esse Paraná que, junto com a minha geração e a geração anterior à minha, tive o privilégio de ver crescer nos últimos 43 anos, não existe mais. Do já distante 1945, quando meu pai, o então capitão Castor, garbosamente fardado e conduzindo a família, desembarcou do trem da Rede Viação Paraná-Santa Catarina na minúscula Rio Negro até os dias de hoje, o Paraná se transformou sob nossas vistas e insinuou-se em meu coração até ocupá-lo por inteiro. Não sem razão: ele foi cenário de tudo o que de importante aconteceu em minha vida e me deu ainda a oportunidade única de estar próximo de algumas pessoas e em alguns lugares quando foram tomadas decisões que moldaram seu futuro. No ano passado, a Assembléia Legislativa teve a generosidade de me conceder o título de cidadão honorário. Veio em boa hora; por conta própria eu já havia me auto-atribuído a condição de paranaense de coração e por escolha. Para mim, foi até demais: teria bastado que não me considerassem "persona non grata"...