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Recentemente, um ministro afirmou que a prioridade do governo é desfazer o modelo de concessão e retornar ao plano antigo, com menos regulamentação e mais brechas o que, segundo ele, atrairia mais investidores. Disse ainda que é preciso flexibilizar para todos os modelos: parceria público-privada (PPP), concessão parcial, regional, total, subconcessão, além de ter “batido forte” no exemplo da Cedae. Acredito em equívoco do ministro, pois o modelo na Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro foi uma concessão parcial e regional, modelo que pretende ser promovido.
Em outra reportagem, o presidente de uma companhia estadual de saneamento básico (CESB) explicou a prefeitos, seus “clientes”, a intenção de fazer uma PPP administrativa para esgotamento sanitário e reforçou: “Não se trata de privatizar os serviços”. Nova desinformação. Há, portanto, necessidade de esclarecimento.
Importante que haja uma visão de sustentabilidade na prestação dos serviços de saneamento, já que representam um direito humano social, ambiental e econômico.
Serviços públicos não podem ser privatizados ou estatizados, pois são públicos. Os responsáveis, no caso do saneamento, os prefeitos, devem prestá-los diretamente à população ou delegar a prestação para empresas públicas, como as CESB, no caso de água e esgoto, ou privadas.
Outro esclarecimento importante é sobre os modelos de delegação. Depois do Marco de Saneamento de 2020, o contrato sem licitação entre municípios e companhias estaduais foi abolido por não ter trazido soluções efetivas para a universalização nas últimas décadas. A Lei 14.026, de 2020, definiu que o modelo de delegação, qualquer que seja, deve ser precedido de licitação pública, baseada na constituição de 1988 e nas leis de concessões, de 1995, e de PPP, de 2004. O modelo de concessão necessita de tarifas, enquanto o modelo de PPP patrocinada precisa de tarifas e recursos públicos e o de PPP administrativa somente recursos públicos.
No saneamento, teoricamente, o modelo de PPP administrativa, citado pelo presidente acima, não deveria ser utilizado, já que existem tarifas para remunerar o concessionário. Porém, ele acabou se desenvolvendo por meio das CESB ou autarquias municipais que, por dificuldade ou falta de agilidade na gestão pública, não conseguiram definir e implementar adequadamente as necessidades de investimento, seja por ineficiência técnica operacional ou econômico-financeira. Delegam parte da sua atividade a empresas privadas mais ágeis a partir de gestão privada e com maior eficiência técnica operacional e econômico-financeira.
O modelo, utilizado da forma atual, permite a manutenção de concessionários públicos ineficientes à frente dos serviços, com uma cobrança de tarifas inadequadas à população, para remunerar uma prestação deficiente, compensada pela delegação a uma empresa privada. As tarifas cobradas são oferecidas como garantia à iniciativa privada, mas seria muito mais justo e adequado para a população que elas fossem repassadas diretamente às empresas, que prestariam os serviços e executariam os investimentos a partir de modelos de concessão ou PPP patrocinada, em vez da PPP administrativa.
Ou então, seria muito mais adequado utilizar o know-how privado para levar eficiência técnica, econômica e financeira aos operadores públicos com dificuldades. Eles poderiam, então, prestar serviços de qualidade com tarifas justas e adequadas. Caso não consigam, seriam substituídos por outros prestadores mais sustentáveis. Importante que haja essa visão de sustentabilidade na prestação dos serviços de saneamento, já que representam um direito humano social, ambiental e econômico.
Yves Besse é presidente da Cristalina Saneamento.