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Decisões sobre o marco temporal de terras indígenas geram imbróglio e insegurança
Decisões do Senado e do STF sobre o marco temporal de terras indígenas geram imbróglio e insegurança| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Nos últimos anos, o cenário político brasileiro vem sendo marcado por um fato inusitado: o Legislativo, responsável central no enfrentamento dos temas mais caros à sociedade, foi deixando de enfrentar discussões sociais relevantes. Houve, com isso, um vácuo de poder, que passou a ser preenchido pelo Judiciário, sobretudo na figura do Supremo Tribunal Federal (STF).

Seja de forma voluntária ou decorrente de reiteradas provocações do próprio Legislativo, fato é que o STF vem assumindo um papel cada vez mais proeminente sobre aspectos profundos da política brasileira. Até pouco tempo, a chamada judicializacão da política pareceu beneficiar o Legislativo, eximindo-o da responsabilidade perante seus eleitores, uma vez que os temas sensíveis não estariam sendo pelos deputados e senadores enfrentados, mas, sim, pelo STF.

Seja de forma voluntária ou decorrente de reiteradas provocações do próprio Legislativo, fato é que o STF vem assumindo um papel cada vez mais proeminente.

É difícil precisar, exatamente, o momento em que isso mudou. Contudo, é fato que o Legislativo começou a se incomodar com as “interferências” da corte sobre o jogo cotidiano da política e, por isso, começou a travar um verdadeiro embate no cenário constitucional. O “duelo” mais recente girou em torno do marco temporal sobre as terras indígenas. Por meio do projeto de lei 2.903/2023, aprovado pela Câmara dos Deputados em maio de 2023, o Legislativo buscou estabelecer que os povos indígenas somente têm o direito às terras já ocupadas por eles ou que estivessem em disputa na data de promulgação da Constituição Federal (1988).

Na semana de 21 de setembro de 2023, por sua vez, em julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral, o STF, por maioria (nove votos a dois), afastou a tese do marco temporal, e, indiretamente, desconsiderou o projeto de lei já aprovado pela Câmara. A resposta do Legislativo foi rápida, já que no último dia 27, menos de uma semana após a decisão do STF, o Senado ignorou a corte e aprovou a matéria indigitada, por 43 votos a 21, determinando, assim, o seu encaminhamento para sanção presidencial.

Mas, afinal, quem detém a última palavra nesse “duelo de titãs?” Se, por um lado, é verdade que compete, prioritariamente, ao Poder Legislativo a produção de leis, por outro, ao STF é reconhecida a função de guardião da Constituição Federal, a qual, por sua vez, estabelece limites até mesmo para o Legislativo. Estamos falando, então, de uma lei que, embora aprovada pelo Congresso, contraria a Constituição. E, nessa situação, quem verifica a compatibilidade de uma lei com a Constituição é o STF. No caso do marco temporal, ainda que a lei tenha sido aprovada e, mesmo que seja sancionada pelo presidente da República, a última palavra sobre sua constitucionalidade poderá ser do STF – desde que provocado.

O Congresso, por sua vez, pode criar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), mas que, igualmente, também pode ser objeto de questionamento por parte do STF, ainda que de forma mais restrita. O “duelo dos titãs”, portanto, parece estar longe de ter um fim.

Wagner Wilson Deiró Gundim, advogado, é doutor em Direito Constitucional e em Filosofia do Direito, mestre em Direito Político e Econômico, professor de Direito Constitucional, Eleitoral e Ciência Política, sócio-fundador do escritório Gundim & Ganzella Sociedade de Advogados e autor de dezenas de obras e de publicações jurídicas.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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