O silêncio sobre o futuro próximo é o que mais chama a atenção na análise do comércio mundial divulgada no dia 5 deste mês pela Organização Mundial do Comércio (OMC): nada se diz sobre o provável comportamento do intercâmbio em 2008 e em 2009. Faltando apenas dois meses para o fim do ano, é estranho que a OMC não se tenha animado a confirmar ou a desmentir a previsão de crescimento que fizera no início do segundo trimestre.Apesar do medo de alarmar quando as incertezas apontam para baixo, o relatório confirma que o comércio mundial começou a enfraquecer antes mesmo do auge da crise. Enquanto o intercâmbio tinha crescido a 8,5% em 2006, no ano seguinte a taxa se havia desacelerado para 6%. Para 2008, previa-se em abril expansão de 4,5% ou menos, bem abaixo da média de dois anos atrás.
O comércio principiou a perder força em 2007, antes da crise das hipotecas, com o início do processo de ajuste da balança comercial dos Estados Unidos. O crescimento da demanda norte-americana por importações caiu de 6% para 2% um corte brutal de dois terços. A contração da demanda se tornou global a partir da propagação da crise recessiva às economias da Europa e do Japão, meses depois.
Abortou-se assim a desejada aterrissagem suave, pela qual a desaceleração dos Estados Unidos seria compensada pelo aumento das demandas européia e japonesa. Temos agora o pior dos mundos: todas as economias principais em contração de crescimento e de demanda de importações. Nessas horas percebe-se que chineses e asiáticos estão longe de substituir o papel das economias avançadas como responsáveis por mais de 55% do aumento da demanda de importações.
Também descobre-se que, quando os Estados Unidos começam a comprar menos do exterior, não existe ninguém para tomar o lugar dos norte-americanos, povo com a mais alta propensão para importar, verdadeiros "importadores de última instância". A Europa realiza nada menos de 76% do seu comércio dentro do próprio continente; o que sobra para o resto do mundo é pouco mais de um quarto (26%).
O mais notável no comércio em 2007, diz o relatório, foi a expansão de 19% das exportações agrícolas, puxadas pelo efêmero aumento do preço das commodities. Além do melancólico registro de tendência ora defunta, serve o fato para acentuar, uma vez mais, a absurda injustiça de sistema comercial onde a Europa, com seu arsenal de subsídios e medidas distorcivas, responde por 46%, quase a metade, das exportações agrícolas mundiais. O Brasil e a Argentina, não obstante as vantagens competitivas de suas condições naturais, não logram igualar o que os europeus obtêm da sistemática violação de todas as regras da teoria do livre comércio que defendem com belos discursos.
Já enfraquecido pela queda na demanda global e no preço das commodities, o comércio mundial enfrenta o problema adicional de aguda escassez de crédito para exportações. Essa tendência adversa encontra o Brasil em fase de contração de 40% do saldo comercial e de forte elevação do déficit corrente, pressionado pelas remessas de dólares.
A desvalorização do real e a baixa do petróleo compensam em parte a deterioração. Contudo, a lógica aponta para duas conclusões: a pressão sobre a moeda nacional vai continuar e o ajuste terá de ser feito mediante a redução das importações. Será difícil continuar a crescer sem poupança interna suficiente.
Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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