Caro amigo Luis Fernando, desculpe minha ousadia em tratá-lo sem a devida formalidade. Afinal, nunca nos encontramos pessoalmente, embora eu sempre esteja com você em suas colunas. Talvez por isso essa proximidade não consentida. Ou, quem sabe, isso seja pelo carinho que tenho por um de seus personagens mais excêntricos (e obscuros também): o Analista de Bagé. Aliás, um dos livros que devorei em minha adolescência. O que ele diria de sua coluna do domingo passado, antes mesmo que a Lindaura chamasse o próximo paciente?
Se a Marília é de Dirceu, a Marina, seguramente, não é de Verissimo. Trocadilho sem graça de alguém que, infelizmente por minhas próprias limitações, não é escritor ou contista. Nem mesmo evangélico, ou fã da candidata Marina Silva. Sou apenas médico, católico e professor de Bioética em Curitiba. Outra ousadia de minha parte? Espero que não.
Sabe, Luis Fernando, as religiões, em
governos democráticos e em sociedades laicas como a nossa, têm, sim, influência nas decisões. Isso ocorre como em qualquer outro país do mundo. E sempre ocorreu. Afinal, elas representam um segmento importante na sociedade. Precisam, dessa forma, ser respeitadas e ouvidas, assim como todos os outros setores. Norberto Bobbio defende que o Estado laico não pode ser nem religioso e nem ateu, nem cristão e nem não cristão. Sendo assim, é ele a condição de sobrevivência para todas as culturas. A influência religiosa, então, não representa um obscurantismo, como você colocou em sua coluna, mas uma construção humana e fonte de valores morais. Não precisamos, entretanto, concordar com tudo o que elas defendem.
Nem todo cristão é contra o casamento gay ou o uso de preservativos. Aliás, a grande maioria é favorável a ambos, mesmo que, no caso dos católicos, isso possa ser contrário aos ditames do Magistério. A Marina candidata, nesse sentido, não tem o poder que a Marina de Verissimo parece ter. Não nos levará a um Estado teocrático. Fique tranquilo.
Embora a saudosa Velhinha de Taubaté tenha, lamentavelmente, falecido em 2005 (segundo consta, suicidou-se de desgosto com o então ministro Palocci), não sei se ela acreditaria que a Igreja Católica, por proibir o uso de preservativos, seja a grande culpada por milhares de mortes decorrentes dos abortos clandestinos. Logo ela que, candidamente, ou quem sabe ingenuamente, acreditava, como Pangloss, que vivíamos no melhor dos mundos! É bom lembrar, contudo, que ela, sim, votava com o coração.
Agora, em relação às pesquisas com células-tronco embrionárias, elas são permitidas no Brasil. A Marina candidata não tem o poder de reverter isso. Até porque a maioria da população brasileira é favorável a elas. Porém, quero lhe dar uma informação técnica: por enquanto, aquelas que têm tido sucesso terapêutico são as pesquisas com células-tronco adultas. Já no caso do aborto, não acho que a Marina candidata (assim como a Marina de Verissimo) iria se esforçar para defendê-lo. Aliás, o que não seria diferente do que pensa grande parte dos brasileiros.
Bom, meu amigo, para finalizar, o também saudoso analista, já aqui citado anteriormente, caso lhe encontrasse nas ruas de Bagé, amargando sua parca aposentadoria pelo INSS, mas ainda muito espirituoso, depois da coluna do dia 14, lhe recomendaria uma de suas terapias pouco ortodoxas, a do "joelhaço". Quem leu seu livro sabe o que ela significa.
Um abraço do amigo de todas as colunas.
Cicero Urban, médico oncologista e masto logista, é professor de Bioética e Metodologia Científica na Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé.
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