Marina Silva saiu do banco de reservas para retornar ao campo eleitoral, agora como protagonista. Embora tenha sido uma substituição contingente, fruto de uma tragédia, sua entrada altera o comportamento do time e também dos adversários. É uma mudança tática, mas que pode alterar todo o resultado do jogo.
A despeito das paixões de seus torcedores, Marina não reinventou a política nacional. Pelo contrário, ela reforça o regulamento existente. Utiliza todos os recursos da tradicional política brasileira: migração entre partidos, personalismo, alianças multipartidárias, apoios heterodoxos e jogo de cena.
À medida que reafirma os slogans de Eduardo Campos, faz de tudo para minimizar as contradições existentes entre os apoios que recebe e a sua trajetória de ambientalista e de ex-esquerdista. Flerta com os aliados de seu antecessor nos estados, mas não assume as alianças já firmadas, pois podem ser mais que constrangedoras. Por outro lado, não as repele frontalmente. Em um contexto com tantos atores relevantes, querer estar só é um privilégio permitido aos que não pretendem chegar longe. A política nacional se faz também por meio da política estadual. Aparentemente, a candidata da terceira via apresenta pouca disposição para atuar realisticamente nos dois níveis, incorporando os estados e seus candidatos impuros em sua estratégia eleitoral.
Embora muitos pensem o contrário, Marina Silva não desafia as estruturas políticas existentes. Sua entrada na eleição, ao contrário, reforça o que temos de pior e o que temos de melhor para a produção de governos democráticos: liberdade de organização político-partidária e liberdade para alianças indesejáveis, personalismo virtuoso e descompromisso partidário, plataforma econômica clara e mistério sobre como implementá-la sem apoio no Congresso. Apesar da sensação de triunfo daqueles que romantizam uma verdadeira política sem uma política de verdade, ela pode rejeitar tudo isso, mas será à custa de sua vitória.
A invenção de Marina para a política brasileira está em outro lugar: na vida partidária. Partidos são organizações livres interessadas em assumir o poder para implementar ideias e programas de ação. Também são instrumentos de poder de pequenos grupos, sem a representatividade idealizada pelos defensores de partidos políticos dos manuais acadêmicos. No Brasil, temos partidos com força na sociedade e agremiações ligadas apenas ao fundo público. O fato é que os partidos que nos governaram desde Fernando Henrique Cardoso são partidos com enraizamento social. Essa é, aliás, a força da oposição entre PT e PSDB: ambos são produto da mobilização de partes da sociedade para definir e cumprir um programa político claro.
Se Marina se eleger, deverá concluir a criação da Rede a partir da Presidência da República. Teríamos, então, um partido criado por um presidente durante o seu mandato. Exceto pelas experiências do PSD e do PTB, criados no fim do Estado Novo, nunca vimos a fusão entre um presidente, um partido e o governo de modo tão forte. Nada mal para quem promete uma nova política. Silvio Berlusconi criou o partido Forza Itália em 1993 e fez desse o partido governante durante anos. Pela dependência do seu criador, o partido naufragou tão logo terminou o ciclo de Berlusconi.
Marina é uma política tradicional que abusa da política tradicional se escondendo por trás da antiga mania nacional: repudiar a política real por meio da redenção total que só se realiza por missionários excepcionais.
Luiz Domingos Costa, doutorando em Ciência Política, é professor de Ciência Política do Grupo Uninter. Adriano Codato é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná e coordenador do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil.
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