"No dia em que eles descerem os morros do Rio, famintos e desnorteados, como soldados abandonados por seus generais, eles tomarão conta da cidade, da zona norte, sul, e as classes médias e ricas serão prisioneiras de sua própria avarezas e descuido com os mais pobres. Será como um exército de centuriões romanos, de olhos arregalados, famélicos, entorpecidos e desesperados, tentando a última conquista antes da morte."
Essa passagem impactante faz parte de entrevista dada à Revista VEJA pelo economista Mário Henrique Simonsen, em 1986, sobre a tragédia social que ele previa para o Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e viveu toda a vida, e da qual nunca quis sair, mesmo quando convidado para importantes cargos no exterior. Sua previsão sobre a degradação do Rio de Janeiro revelou-se profética. Simonsen faleceu aos 62 anos no dia 9 de fevereiro de 1997, portanto, há 24 anos. Injustamente, ele é pouco lembrado.
Formado em Engenharia Civil e Economia, Simonsen era considerado um gênio com elevado nível intelectual, sobre quem Roberto Campos dizia ser portador do maior Q.I. que nasceu no Brasil. Com longa carreira como professor de Econometria e outras disciplinas complexas na Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Simonsen foi o principal responsável pelo alto prestígio que a fundação atingiu, na qual ocupou a vice-presidência e outros cargos.
Ele foi presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) de 1969 a 1974, programa de educação de adultos que ele julgava essencial para o desenvolvimento nacional, pois a taxa de analfabetismo na época era superior a 20% da população. O Mobral funcionou bastante bem e conseguiu estar presente em todos os municípios do país, principalmente porque não faltou dinheiro para o projeto. Nessa função, ele granjeou enorme prestígio.
Quando Ernesto Geisel foi escolhido para assumir, em 1974, a presidência da República, ele convocou Roberto Campos para formar um grupo e elaborar um trabalho sobre “problemas brasileiros e estratégias de solução”. Iniciadas as tarefas, Geisel comunicou que seu ministro da Fazenda seria Mário Henrique Simonsen, ao que Roberto Campos redarguiu: “Presidente, Simonsen é um gênio, tem elevada experiência, conhece profundamente os problemas do Brasil e, sozinho, é capaz de elaborar um plano melhor que todos nós juntos”. Mário Henrique, como os amigos o chamavam, foi ministro da Fazenda no governo Geisel de 1974 a 1979).
Simonsen tinha conhecimentos profundos em matemática, economia, direito, ópera e teoria musical, assuntos que ele tratou em livros, palestras, entrevistas, artigos e aulas. Ao todo, ele publicou 14 livros, alguns complexos e acessíveis a poucos. Apesar de ser reconhecido como um cientista da economia e da matemática, ao deixar o Ministério do Planejamento em agosto de 1979, após apenas seis meses no cargo, tornou-se crítico de ópera e música clássica, assinando uma coluna na Revista VEJA de 1982 e 1991.
Em 2011, foi lançado um estojo chamado Ópera por Simonsen, reunindo textos inéditos produzidos por ele, com críticas de grandes óperas e CDs incluídos. Profundo conhecedor de ópera e música clássica, Simonsen aceitou o desafio de analisar as dez melhores óperas já realizadas, mas pode concluir somente três: Don Giovanni, Tristão e Isolda e Otello. Ele foi ainda presidente da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira.
Dizia-se dele que era um intelectual com preocupações humanitárias, incapaz de criticar alguém, que sempre mostrava compromisso com a solução, não com o problema, e não perdia tempo procurando culpados. Certa vez, foi feita uma enquete para eleger o maior economista brasileiro e Mário Henrique Simonsen, embora tenha participado de governos militares, foi eleito com folga, inclusive com votos de economistas de esquerda.
Simonsen foi um estudioso do problema educacional brasileiro, que julgava ser o principal entrave ao desenvolvimento do país, sobre o qual escreveu artigos e livros. Sua carreira vai muito além do que cabe neste texto. Alguns anos antes de sua morte, marquei uma audiência com ele na FGV e, como sua agenda atrasou uma hora, ele me pegou pelo braço e disse: “Atrasei-me, desculpe-me, vou levá-lo para almoçar por minha conta”. E ficamos conversando durante quatro horas.
Entre as perguntas que lhe fiz, duas respostas me marcaram. Perguntei: (a) por que, sendo um gênio de prestígio, o senhor aceitou ser ministro de um governo militar? (b) por que, tendo recebido propostas para trabalhar e morar no exterior, o senhor nunca quis sair do Brasil? Suas respostas foram: “primeiro, eu fui ministro da Economia do Brasil, assumi na maior crise do petróleo que o mundo jamais viu e julguei que poderia contribuir com as soluções; segundo, eu nasci no Rio de Janeiro, meu compromisso é com o Brasil e nunca morarei em outra cidade ou outro país por causa de dinheiro”. Foi um brasileiro que merece ser lembrado.
José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.
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