Ao ser entrevistado, um sujeito disse que a economia não tem mais que meia dúzia de princípios simples, os quais, uma vez observados, produziriam o crescimento econômico e, por consequência, a superação da pobreza. Trata-se de exagerado simplismo. Seguramente, é possível selecionar seis princípios econômicos cuja observância é condição necessária para o crescimento do produto. Porém, sejam eles quais forem, jamais serão condição suficiente para alcançar expansão da produção e eliminar a pobreza.

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De início, duas questões podem ser levantadas. Uma, o aumento da produção não gera, por si só, a superação da pobreza, pois uma complexidade sempre presente está na difícil tarefa de distribuir o produto e a renda. Outra, o tabuleiro econômico é um mosaico de peças, cujo entrelaçamento e movimento nenhuma mente genial consegue ajustar com precisão de modo a obter os dois objetivos até o ponto em que o bem-estar de todos seja conquistado.

Karl Marx dizia: "Se a aparência e a essência dos fenômenos fossem a mesma coisa, a ciência seria desnecessária". A ilusão dos simplistas vem do fato de que a compreensão de meia dúzia de princípios econômicos desvenda um mundo de mistérios capazes de dar, a quem os compreende, a impressão de que já sabem tudo. Enganam-se. O próprio Marx, com todo o poder de seu sofisticado intelecto, angustiou-se profundamente diante de certos fenômenos, alguns dos quais ele não conseguiu desvendar.

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O primeiro fenômeno que angustiou Karl Marx diz respeito à produtividade. Alguns leitores superficiais da obra desse autor atribuem a ele a ideia de que o problema da produção já estava resolvido, e tudo se resumia a distribuir o produto e a renda. Marx jamais disse isso. Ou melhor, ele disse, sim, que era preciso distribuir os frutos da produção e disse também que era ingenuidade deixar tal tarefa a carga dos empresários. Porém, ele alertou que esse caminho nada resolveria se não houvesse aumento da produtividade-hora do trabalho.

Ocorre que gritar contra a distribuição do produto – e ficar só nisso – tornou-se uma poderosa arma de conquista de poder sindical e de poder político. Até hoje, não há melhor arma para colher votos que posar de defensor dos pobres e crítico dos ricos. Marx declarou com insistência que era preciso aumentar a produtividade geral da economia e isso exigia impedir a explosão demográfica, educar o povo, treinar os trabalhadores e entender que pobreza não é virtude nem caminho para o céu. Por essas posições, ele andou às turras com as religiões.

Marx brigava também com os marxistas fanáticos quando eles desdenhavam o papel da acumulação de capital e da incorporação da tecnologia. Ele não gostava da ideia de deixar a acumulação capitalista a cargo de empresários sem uma legislação paralela capaz de proteger o trabalhador da exploração e do tratamento desumano. Mas também dizia que o pior inimigo do trabalhador era o conformismo e o baixo nível de educação.

Outro ponto que angustiou Marx foi o paradoxo do valor. Ele queria entender quais elementos entravam na produção de um bem ou serviço, como a produtividade se dava, como deveria ser a formação dos preços e como se daria a relação entre o preço de um bem e de outro. Ele queria entender qual deveria ser a relação real entre o preço de um par de sapatos e o preço de um litro de leite. Dizendo de outra forma, quantas horas um operário teria de trabalhar para comprar um litro de leite, comparado com quantas horas seriam necessárias para adquirir um par de sapatos.

Marx nunca foi leviano nem superficial na análise desses fenômenos, pois ele entendia a complexidade do tema. Entretanto, há quem não estudou um décimo dele e, no entanto, acredita ter decifrado os enigmas que nem Marx decifrou.

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José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.