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Manifestações Sete de Setembro
Mobilização no Sete de Setembro em São Paulo.| Foto: Fernando Bizerra/EFE

Nos últimos tempos, tem sido repetida na imprensa em geral e nas manifestações de juristas de grande prestígio a expressão “atos antidemocráticos e inconstitucionais” para se referir aos protestos populares como aqueles realizados em 7 de setembro. Mas o que são, afinal, “atos antidemocráticos e inconstitucionais”?

A finalidade aqui não é discutir o aspecto estritamente “jurídico” da questão. Para este tipo de discussão, especialmente no aspecto da constitucionalidade, o ponto de partida poderia ser o disposto no artigo 5.º, IV da Constituição Federal de 1988 (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”), ainda que temperado pela proibição jurisprudencial dos chamados “discursos de ódio” (hate speech). Com o devido respeito, entendo que não é este o caso da generalidade das manifestações realizadas no último dia 7 de setembro. Mas, repita-se, não é este aspecto que se pretende discutir aqui.

O que se pretende discutir aqui é outra coisa: tentar entender o motivo de se rotular essas manifestações como “antidemocráticas e inconstitucionais”.

A resposta não parece ser simplesmente obter um efeito jurídico como normalmente se visa obter, por exemplo, com o ajuizamento de uma ação de inconstitucionalidade ou qualquer outra medida judicial do tipo. Nada disso. A explicação para este tipo de rótulo parece ser mais retórica do que propriamente jurídica. Parece mais uma tentativa de autopreservação do status quo que uma discussão séria sobre os anseios reais da população.

É certo que a população muitas vezes não sabe se expressar corretamente em termos “jurídicos” e acaba utilizando jargões como “abaixo o STF”, “intervenção militar já” etc. Mas o que isso demonstra é apenas o descontentamento da população com o sistema atual, principalmente com a cúpula do sistema judiciário.

Rotular essas manifestações de “antidemocráticas e inconstitucionais” significa apenas tentar esconder os reais anseios da população (como a prisão em segunda instância, o accountability dos ministros do STF, o combate eficaz contra a corrupção etc.). Insistir na tese de que esses anseios populares são “antidemocráticos e inconstitucionais” não contribui em nada para a pacificação social. Muito pelo contrário, os rótulos impostos contra essas manifestações populares parecem ter o condão de incendiar ainda mais uma crise que é muito real.

Eis a palavra-chave: “crise”!

É preciso realizar um grande esforço para estudar como superar as “crises”. E, no Brasil de hoje, a “crise” principal parece ser uma “crise de confiança” nas instituições. Isso significa que as eventuais soluções para a “crise de confiança” nas instituições não podem partir, nem se limitar à iniciativa destas mesmas instituições e aos seus tradicionais mecanismos constitucionais. A Constituição Federal já não parece mais suficiente para oferecer essas respostas, mormente se se considerar o retalhamento que vem sofrendo, à margem do processo democrático, pelas mãos (iluminadas) do próprio STF desde a sua promulgação em 1988. Algo “novo” parece necessário.

É necessário, no mínimo, uma maior empatia por parte das instituições, inclusive do STF, para entender o atual momento que o país atravessa. Rotular essas manifestações populares de “antidemocráticas e inconstitucionais” só contribui para o agravamento da “crise” e não para a sua superação. Ouvir atentamente os anseios populares, sem o uso indevido de rótulos, e se esforçar para efetivamente atendê-los naquilo que é justo (como nos três exemplos acima) parece ser o primeiro e necessário passo para a superação da crise de confiança que o Brasil atravessa.

Thomas S. Kuhn, em A estrutura das revoluções científicas, realizou um grande esforço na tentativa de identificar traços comuns entre diversas revoluções científicas operadas ao longo dos últimos séculos. Identificou que é muito comum o fato de a “ciência normal” rejeitar as inovações, tentando expeli-las para fora do sistema, numa tendência a não enxergar as “anomalias” existentes internamente no sistema vigente (o status quo), dando origem, assim, às chamadas “crises epistemológicas” que só são superadas através da adoção de um novo “paradigma” e da respectiva criação de novos mecanismos.

Algo muito parecido pode estar ocorrendo neste momento na ciência político-jurídica brasileira. Parece estar em curso uma revolução que merece toda a atenção da comunidade, especialmente da comunidade político-jurídica. Rotular os anseios da população de “antidemocráticos e inconstitucionais”, tentando expeli-los para fora do sistema vigente sob a acusação de “anticientificismo”, deixando de enxergar as “anomalias” claras e evidentes que existem no seu interior, só contribui para o agravamento da “crise” (o velho “amigo-inimigo”, a “ciência normal” vs. a “ciência anormal”) e não para, repita-se, a sua superação.

É preciso resgatar o diálogo e o compromisso com aquilo que é bom, justo e verdadeiro. E não dá para fazer isso rotulando as manifestações populares como as de 7 de setembro de “antidemocráticas e inconstitucionais”. O novo “paradigma” se avizinha e não dá para escondê-lo debaixo do tapete, nem jogá-lo em cima do ventilador. Quem está disposto a dar – verdadeiramente – o primeiro passo?

Rafael Domingues é advogado, doutor em Direito e procurador do Estado. 

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