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Mas e a liberdade?

(Foto: Fabio Abreu)

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Quando a OMS, tardiamente, reconheceu o quadro de pandemia da Covid-19, fiz uma análise de que haveria três ondas de reação: a primeira, movida pelo medo, seria o foco quase irrestrito na saúde, com cidadãos delegando voluntariamente todo o controle aos “especialistas”; a segunda seria o aspecto econômico, pois a realidade pode demorar, mas ela inevitavelmente se impõe, e o desemprego em massa causado pela reação ao vírus passaria a dominar a cena; por fim, muitos questionariam se as autoridades não foram longe demais no abuso de poder, sempre com a nobre justificativa de proteger vidas e o interesse coletivo.

Acredito que estamos, neste momento, na transição da primeira para a segunda etapa. O medo ainda domina muita gente; a contagem mórbida de mortes ajuda, apesar de estarem longe das previsões mais catastrofistas de certos profetas do caos. Mas os dados econômicos começam a assustar também, e o povo vai se dando conta de que pode ter negligenciado esse lado da equação, repetindo de forma automática o mantra sensacionalista de que só as vidas importam, e que depois cuidamos da economia. Como se fosse tão simples assim!

O economista Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês), a maior agência humanitária da Organização das Nações Unidas, afirma que a pandemia pode levar cerca de 130 milhões de pessoas no mundo para a extrema pobreza e dobrar o número de habitantes com fome crônica – aquelas que não têm alimento suficiente no fim do dia. No Brasil, a estimativa é de que cerca de 5,4 milhões de pessoas – o tamanho de um país como a Noruega – passem para a extrema pobreza por causa da pandemia. O total chegaria a quase 14,7 milhões de pessoas até o fim de 2020, ou cerca de 7% da população, segundo estudos do Banco Mundial.

Repetir que nenhuma vida tem preço pode gerar uma sensação de nobreza d’alma, mas soa menos pomposo quando se está diante de milhões de desesperados sem ter o que comer. O que os isolacionistas radicais vão descobrir, quando acabar sua quarentena gourmet, é que economia também é vida, que o desemprego produz mortes aos milhares, e que a busca por um equilíbrio, sem demagogia, era o caminho mais desejado. Mas quem quer que trouxesse à tona o assunto era logo tachado de insensível assassino de velhinhos, o que inviabilizou o debate honesto e maduro sobre quais vidas poupar.

“O fato é que de 40% a 50% de todas as mortes da União Europeia ocorreram em casas de repouso. O mesmo vale para a Califórnia. Se as autoridades tivessem protegido as casas de repouso, a taxa de letalidade no mundo industrializado seria a metade da atual”, constatou Ben Shapiro em texto publicado na Gazeta do Povo. Shapiro também aponta que o isolamento era apenas para achatar a curva e ganhar algum tempo, de preferência para preparar melhor os hospitais, mas que essa meta original foi sendo esquecida e os isolacionistas passaram a defender a medida como uma espécie de panaceia para curar a pandemia, o que é absurdo.

Quando a contagem mais relevante deixar de ser a da pilha de cadáveres e passar a ser a dos famintos desesperados, os economistas serão lembrados. Mas haverá ainda outra onda, que parece mais distante. Ela tem ensaios tímidos, especialmente nos Estados Unidos, nação que tem o apreço pela liberdade enraizado em sua cultura. Será justamente a onda da liberdade. Muitos vão questionar, perplexos, como foi que deixamos a OMS ditar o modelo chinês para o mundo todo. Uma coisa é compreender o dilema entre direitos individuais e interesse coletivo, especialmente em tempos de guerra ou pandemia; outra, bem diferente, é abandonar por completo qualquer preocupação com as liberdades mais básicas e essenciais do cidadão, em troca de uma falsa sensação de segurança.

“Governadores, prefeitos e burocratas, cedendo ao pânico, à estupidez e ao interesse político mais grosseiro, estão castigando os cidadãos com atos de franca e aberta demência”, escreveu J.R. Guzzo. Prefeitos e governadores passaram a agir como tiranos absolutistas, e o cidadão é visto como um súdito que deve acolher docilmente as determinações do governo. Banhistas algemados, mulher arrastada da praça pública, lojas fechadas na marra e seus donos presos, cenas chocantes que mais parecem de uma típica ditadura, não de uma democracia, passaram a circular nas redes sociais.

Nos Estados Unidos, uma proprietária de um salão desafiou a ordem do governador do Texas e abriu seu estabelecimento. Foi presa, não pediu desculpas, alegou que precisa sustentar sua família, e a Corte Suprema acabou soltando-a, para júbilo dos verdadeiros liberais. Já o bilionário Elon Musk, dono da Tesla, disse que pretende desafiar as ordens do governo californiano e reabrir sua fábrica, assumindo o risco de prisão ao lado de seus colaboradores, que precisam de trabalho. Ele não descarta a possibilidade de migrar sua produção para um estado mais livre.

No Brasil é mais incipiente o movimento por liberdade, mas vemos ações isoladas aqui e acolá. Enquanto isso, a OAB de São Paulo quer facilitar a liberação de 25 mil presos no estado por causa do coronavírus. Assalto e estupro devem ser “serviços essenciais”, pelo visto. No mais, se tem alguém seguindo à risca o lockdown recomendado pela OMS, é justamente o sujeito confinado na prisão, não? Soltar por qual razão, portanto? Para o bandido andar livre pela cidade enquanto o povo deve ficar preso em casa?

Quando o pior disso tudo passar, o mundo terá de reavaliar o papel da China nessa confusão, assim como o da OMS. O presidente Trump tem elevado o tom das críticas, separando o povo asiático do governo chinês. Não é preconceito contra o povo, é indignação contra o regime opressor! Nikki Haley, ex-embaixadora americana da ONU, divulgou uma petição para forçar o Congresso americano a investigar o papel da ditadura comunista no esforço de abafar o início da epidemia em Wuhan, que virou pandemia. “Pare a China comunista”, diz o chamado. Senadores republicanos também têm cobrado mais investigações. Não podemos deixar isso barato para a China.

Quando o pior estiver para trás, será o momento de lembrar e valorizar ainda mais aquilo que o Ocidente possui e que falta aos chineses: a liberdade!

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

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