“Meu filho, dorme, dorme o sono eterno
No berço imenso, que se chama – o céu.
Pede às estrelas um olhar materno,
Um seio quente, como o seio meu.”
Castro Alves, Recife, 7 de junho de 1865
“Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus, / Se eu deliro... ou se é verdade / Tanto horror perante os céus?!”, escrevia em 1868 o poeta Castro Alves, com piedade e indignação, no poema O Navio Negreiro. Antônio de Castro Alves, precocemente, aos 13 anos de idade, já se preocupava com a sorte dos seus semelhantes, escrevendo seus primeiros versos em prol da libertação dos escravos. Aos 20 anos, já tinha conquistado a admiração e o aplauso de seus concidadãos mais conspícuos, tais como José de Alencar, Machado de Assis, Rui Barbosa, Nabuco. Escrevia o poeta em tempos e circunstâncias em que essa miséria – a escravidão – não comovia ninguém. Quantas obras magníficas ele nos daria se a morte não o tivesse ceifado em plena juventude, aos 24 anos de idade!
Quiçá o “poeta dos escravos”, como era conhecido Castro Alves, também escreveria com piedosa indignação, hoje, em 2023, rogando a Deus, “Dizei-me vós, Senhor Deus, se eu deliro... ou se é verdade tanto horror perante os céus?!”, em relação ao que está a se julgar no Supremo Tribunal Federal (STF). A corte vai se posicionar se a vida de um semelhante até a sua 12ª semana de gestação pode ser ceifada ou não, em qualquer circunstância, sob qualquer pretexto ou capricho, ainda no ventre materno. "Dize-me vós, Senhor Deus, seu eu deliro!"
Não tenhamos vergonha de defender a vida em qualquer lugar e mesmo na praça pública moderna que são as redes socais.
“Quem são estes desgraçados / Que não encontram em vós / Mais que o rir calmo da turba / Que excita a fúria do algoz? / Quem são?” Outrora esses desgraçados descritos por Castro Alves vinham nos porões ultrajantes dos navios negreiros; hoje estão no tenro e doce ventre materno. Quem são estes desgraçados que, por força de uma decisão da Suprema Corte e também da escolha humana insensata, podem ter negada a própria vida? “Nem são livres para morrer.” Um verdadeiro horror perante os céus.
Ao tomar conhecimento de que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, decidiu liberar para julgamento a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), esse “novo navio negreiro”, de autoria do Partido Socialismo e Liberdade (PSol), que pretende descriminalizar o aborto até 12ª semana de gestação ao apagar das luzes de sua aposentadoria, minha alma se entristeceu.
A ministra Rosa Weber já poderia, a meu ver, ter manifestado o descabimento de ADPF 442, por inadequação da via processual, devido à impossibilidade de o STF tratar de matéria reservada ao Congresso Nacional. A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, o direito inviolável à vida e o Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002) em seu artigo 2º, diz: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Logo, não cabe ao STF decidir sobre se uma mulher pode ou não, sob qualquer justificativa, matar seu filho até a 12ª semana de gestação sob qualquer pretexto.
Não tenhamos medo de defender a dignidade e a inviolabilidade da vida humana sob qualquer circunstância.
Se PSol quer que tal infâmia seja estabelecida no ordenamento jurídico brasileiro, ora, que busque isso no Congresso Nacional, que é o poder responsável por legislar sobre a matéria. Não é o STF, que cabe ser o guardião da Constituição e demais leis vigentes no Brasil, o lugar para tal discussão. O STF não estabelece as leis, mas as aplica conforme o estabelecido pelo Poder Legislativo, que representa ao fim e ao cabo a vontade do povo brasileiro expressamente contrário a que se mate seus filhos ainda no ventre materno.
Matar seus filhos no ventre materno: é isso que significam os medíocres eufemismos “aborto legal”, “aborto seguro”, ou ainda, o mais recente, “interrupção de gestação não desejada”. Tais termos só servem para tentar suavizar, ou quem sabe, tornar palatável à opinião pública, o que de fato é o aborto: um assassinato cruel de uma vida inocente dentro do ventre materno.
Diante disso, é bom termos presente o que é uma vida com 12 semanas de gestação. Com 12 semanas, o ultrassom morfológico nos diz muito sobre a criança que virá em breve a nascer. Conseguimos ouvir seu coração, que começou a bater já na sexta semana de vida, e medir seu ritmo. Sim, na sexta semana de vida, quando muitas mães nem sequer têm certeza ou suspeitam de que estão grávidas, já conseguimos ouvir as batidas do coração do bebê em formação.
Com 12 semanas, conseguimos ter uma visão completa da morfologia do bebê, sabemos que ele já se movimenta, sabemos que tem períodos de vigília e sono, seus órgãos estão formados e prontos para seguir crescendo naturalmente. Mas, sobretudo, para além da ciência que nos informa, o bebê cresce em nossos corações, ainda que seus movimentos no ventre materno não sejam percebidos pela mãe.
E, com 12 semanas de gestação, essa criança, cuja vida é inviolável, poderá ouvir de sua mãe aquele trecho do poema Mater Dolorosa, escrito por Castro Alves em 1865: “Deixa-me murmurar à tua alma um adeus eterno, em vez de lágrimas chorar sangue, chorar o sangue de meu coração sobre o meu filho; por que tu deves morrer meu filho, tu deves morrer”.
O cinismo hediondo do PSol (e de uma minoria barulhenta) que defendem a morte das crianças com até três meses de gestação, os levam aos púlpitos das redes sociais para dizer que trabalham para salvar vidas, de forma segura e legal. Mas devemos questioná-los sobre o destino dos corpos dos bebês trucidados e/ou sugados no ventre materno? Devemos questioná-los se terão a coragem de ir aos hospitais públicos acompanhar o que eles chamam de uma “sociedade melhor”, durante a realização daquilo que chama de “aborto legal e seguro”? Devemos chamá-los para acompanhar a dor da culpa que as mulheres carregam após terem realizado o aborto, muitas delas ainda na juventude? Devemos questionar os médicos, “instrumento” a serviço desta decisão dolorosa de matar uma criança ainda no ventre materno? Isto é, se o STF usurpar o seu papel e decidir a favor deste horror perante os céus.
“Em vez de servir a morte, ama a vida, e serve o Amor!” , escrevia outro poeta, Olavo Bilac (1865-1918) no poema O rio. Comecemos desde já a trabalhar junto de nossas famílias, nossos círculos de amizades, pelas redes sociais, por todo e qualquer meio de comunicação, o despertar das consciências e corações endurecidos contra esse ato de violência, contra essa cultura de morte que nos entorpece. “Em vez de servir a morte, amemos a vida, e servimos o Amor!”
Cabe a nós, portanto, resgatar e despertar as gerações que assistem adormecidas ao geminar do pensamento que nos levou às crueldades que vivemos. Precisamos formar a consciência e alertar as novas gerações para a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que em seu artigo 3º diz: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Tal declaração foi redigida poucos anos depois do fim da Segunda Grande Guerra por aqueles que viveram o horror perante os céus de perto, de muito perto. Declarada por aqueles que sentiram na própria pele a dor e o sofrimento imposto de maneira cruel a milhares de inocentes.
Não tenhamos vergonha de defender a vida em qualquer lugar e mesmo na praça pública moderna que são as redes socais. Não tenhamos medo de defender a dignidade e a inviolabilidade da vida humana sob qualquer circunstância. A vida de muitos depende de nós, os chamados “provida”. Afinal, só pode defender alguma coisa quem está de fato vivo, em corpo, alma e espírito.
Alecsandro A. de Souza é administrador de empresas.