Os 80 anos de Mazza levam a refletir sobre o real significado desta palavra que tem sido abastardada pelo uso incon­­­se­­­quente e excessivo que é "cidadania"

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Que dizer mais a respeito de Luiz Geraldo Mazza, que transpôs a barreira dos 80 anos mais lúcido e irreverente do que nunca, cercado de carinho, respeito e admiração gerais? Só me ocorre dizer que, nos 45 anos que nossa amizade já dura, sem interrupções nem abalos, ele ocupou um dos reduzidíssimos lugares no meu panteão de heróis.

Acho que, na vida, todos estamos fadados a experimentar o que Mario Quintana descreveu em uma de suas quadrinhas: "Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o, e com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entanto, a cada ilusão perdida... que extraordinária sensação de alívio". Os 60 anos de militância jornalística e política de Mazza, como não podia deixar de ser, lhe renderam um volumoso baú de ilusões, de crenças exageradas e imerecidas em determinados personagens, de adesão entusiasmada a algumas ideias que o tempo demonstrou equivocadas. Mas, ao se livrar de uns e de outras, seu coração eternamente adolescente, impulsivo, já estava pronto a abraçar novas ideias e confiar em novas pessoas, que não raro lhe renderam novas desilusões.

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Como não podia deixar de ser, ao longo de admirações e afeições eternas, acumulou intolerâncias e antipatias por parte daqueles que não conseguiram conviver com sua forma de exercer a cidadania, marcada pela ironia e pela incontinência verbal, em que a voz rouquenha demonstra um permanente desapontamento com a comédia humana e um profundo desprezo pelos símbolos do poder temporal e passageiro.

Os 80 anos de Mazza levam a refletir sobre o real significado desta palavra que tem sido abastardada pelo uso inconsequente e excessivo que é "cidadania". Na sua acepção mais pura, o cidadão é aquele que participa da gestão do Estado, aquele que exerce na plenitude seus direitos de membro da civita e, ao mesmo tempo, não se furta de suas obrigações em relação a ela. Por uma distorção histórica, nós brasileiros temos uma visão muito limitada de nossos direitos e deveres como cidadãos. E, ao perceber esse alheamento, essa falta de comprometimento moral e mental com o coletivo, com a sociedade, com os outros membros da Civita, aqueles que são investidos temporariamente dos poderes públicos se acreditam os únicos capazes de praticar a cidadania. Aos demais, deve caber apenas obedecer e pagar a conta. Mazza se recusa obstinadamente a aceitar esse papel passivo e, por isso, acabou sofrendo processos judiciais ridículos e tendo de aturar arroubos de intolerância e de arrogância por parte de poderosos de ocasião.

Mais do que nunca, estamos necessitados dos Luiz Geraldo Mazza em nosso estado e em nosso país. Numa época em que a política e os negócios se entrelaçam em relações incestuosas e pouco recomendáveis, em que as ideias e ideais flutuam de acordo com as conveniências "qual pluma ao vento", essa figura solitária, patética de uma pessoa que é monotonamente fiel a seus ideais e sistematicamente infensa às delícias que o conformismo e o adesismo podem trazer, é a um tempo, admirável e incômoda. Admirável para aqueles que encontram nele a vocalização de suas indignações e frustrações. E incômoda para aqueles que terão nele eternamente a mosca da música do Raul Seixas, "que pousou em sua sopa, que pintou pra lhes abusar... que perturba o seu sono, no seu quarto a zumbizar".

Longa vida, Luiz Geraldo Mazza!

P.S.: outra figura insubstituível de meu panteão de heróis está prestes a ultrapassar um marco notável, dessa vez os 90 anos. Falo de Acir Rachid, grande médico, grande professor, maior ainda figura humana, que chega aos 90 com a serenidade dos sábios e servindo de fonte inspiradora para seus amigos e admiradores.

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Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.