É do doente que parte a noção da doença. Se não sente a dor ou não percebe alterações, facilita a enfermidade. Óbvio? Nem sempre. O Brasil está politicamente doente e recusa-se a perceber sua moléstia. Ao justificar com o entusiasmo habitual o seu endosso à liberação das alianças eleitorais, o presidente Lula nada mais fez do que mascarar as graves mazelas do regime com um falso atestado de sanidade. Não enxergou o mal, nem percebeu o mal-estar.

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Quando o ministro Nelson Jobim, presidente da suprema corte, permite e até estimula que prosperem as especulações sobre o seu apetite político coloca sob suspeita todas as sentenças que emite, emitiu ou emitirá. Inclusive as tecnicamente corretas como foi o caso da anulação da decisão da CPI dos Bingos solicitando a quebra dos sigilos do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, e do empresário Roberto Carlos Kurzweil.

E se o presidente do STJ, o ministro Edson Vidigal, manifesta a disposição de acompanhá-lo neste suicídio moral como pré-candidato ao governo do Maranhão, a doença ganha dimensões de insidiosa pandemia, que, além de mascarar os sintomas, faz delirar os pacientes.

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Em condições normais, o Judiciário funciona como um sistema linfático, dá o alarme e providencia as defesas. Mas no Tribunal de Justiça do Paraná, 30 desembargadores revoltaram-se contra as normas antinepotistas decididas pelo Conselho Nacional de Justiça. Não perceberam a doença, querem transformá-la em normalidade.

Percebe-se a malignidade da moléstia quando um experimentado médico como o governador Geraldo Alckmin sequer consegue diagnosticá-la e ainda declara que a questão da corrupção não deve dominar o debate eleitoral.

A questão da corrupção é crucial, dr. Alckmin. Se não for encarada com a devida coragem, pode subverter não apenas o próximo pleito e colocar sob suspeita o nosso processo de escolher governantes.

O combate à corrupção é prioritário, inadiável, transcende as diferenças partidárias. Deve preocupar não apenas os candidatos da oposição, mas todos os postulantes à Presidência da República, inclusive e sobretudo o candidato do governo. Se perdemos de vista as seqüelas destes oito meses de crise aguda estamos condenados a torná-la crônica e letal.

O fim do ano e o recesso de verão que se prolongará até depois do carnaval produziram enganosa e perigosa sensação de cura. Mesmo ao proclamar os seus feitos e embarcar em promessas mirabolantes, não pode o governo esquecer os sérios riscos que correu e ainda corre. As radiografias prosseguem, os exames não foram interrompidos, a infecção não foi debelada. O foco está ativo, qualquer descuido transforma um vírus oportunista num carrasco implacável.

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Mesmo com a ajuda de tranqüilizantes, transfusões e aparelhos, o enfermo não pode iludir-se nem imaginar que o pior já passou. O pior é justamente esta falsa sensação de convalescença, esta cura arrevesada. Cada cassável que deixa de ser cassado, cada "acordinho" ou "acordão" destinado a proteger culpados, cada caricatura de reforma política ou eleitoral que se apresenta como "a única possível" é paliativa. Mistificação.

Nem o governo nem os partidos da oposição podem dar-se ao luxo de imaginar-se livres de contágio. Ou supor que doente é o outro. Todos têm a mesma origem genética, estão no mesmo hospital, correm os mesmos perigos e dependem da adoção de uma rigorosa terapia. Não se vacinaram, não têm imunidades.

A noção de doença não pode ser entendida como imaginária e descartável, ao contrário, é prova de saúde. O desejo de extirpar a disfunção só ocorre nos indivíduos sãos. Os combalidos convivem e até precisam dos achaques.

A instituição política brasileira está visivelmente enferma, essa é a verdade. E se as sondagens de opinião pública ainda não chegaram a este diagnóstico é porque o instrumento de medição também está comprometido. Prova foi o conluio entre um instituto (Ibope), um candidato (Anthony Garotinho) e uma publicação ("IstoÉ"). Apesar de amplamente denunciado, não conseguiu produzir qualquer medida saneadora.

A classe política está visivelmente excitada. Não devia: o prematuro agito eleitoral pode ser uma forma de agonia.

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