A decisão do governo federal de permitir a imigração temporária de milhares de médicos cubanos para atuar em pequenas cidades e localidades do interior do Brasil tem todos os ingredientes de um desastre que pode ser facilmente previsto: a improvisação de soluções simplistas para enfrentar problemas complexos; a supremacia do companheirismo político e ideológico sobre a qualidade técnica das decisões; o irrealismo – involuntário ou não – dos pressupostos e das metas anunciadas e a desfaçatez com que a inteligência da população é manipulada.

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Para os que não sabem, o governo federal vai permitir que 6 mil médicos cubanos venham para o Brasil para praticar a medicina, contratados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPS). Angelicalmente, os que estão defendendo o projeto informam que esses profissionais vão atuar "exclusivamente" em cidades e núcleos habitacionais do interior, não poderão praticar medicina privada, nem participar de procedimentos complexos de UTI ou realizar cirurgias etc. etc. etc. A fragilidade do projeto é absolutamente patente e salta aos olhos de um observador minimamente atento.

Primeiro, esquecida a questão da legalidade da iniciativa – que, aliás, está provocando arrepios nos conselhos éticos dos profissionais de saúde – há um problema de fundo que é a equidade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros. Explico: para um brasileiro que decidiu fazer um curso de Medicina no exterior, a revalidação local de seu diploma – o que lhe permitiria exercer a medicina – é tarefa virtualmente impossível em função dos critérios de equivalência dos conteúdos ministrados em sua formação. No entanto, milhares de estrangeiros, formados sabe-se lá com que cuidados e critérios, entrarão no país legalmente para praticar a profissão médica sem maiores exigências acadêmicas ou burocráticas.

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Em segundo lugar vem a ingenuidade (ou a marotice) da proposta: os médicos só poderão permanecer durante três anos, findos os quais serão repatriados. A experiência com expatriados cubanos é bastante ilustrativa do que irá acontecer no futuro: ou os prazos serão prorrogados por sugestão de algum burocrata simpático ou teremos um número razoável de defecções de cubanos que – apesar das saudades de sua bela ilha, terão se acostumado a comprar papel higiênico sem nenhuma dificuldade, escolher e consumir os produtos que desejam, falar mal da política e da inflação, transitar para cima e para baixo sem controles – pequenos e grandes luxos que lhes são negados pela gerontocracia ditatorial cubana, incapaz depois de quase 60 anos de prover minimamente a população dos produtos e serviços mais elementares e das liberdades fundamentais.

Terceiro, vamos esperar para verificar a eficácia dos controles da burocracia brasileira sobre a atuação desses profissionais? Quem e como vai fiscalizar onde e o que estão fazendo os médicos cubanos, quando não se consegue nem que os sistemas de saúde pública se organizem minimamente para evitar o caos dos prontos-socorros, das UTIs superlotadas e de pacientes deitados nas calçadas?

No passado, quando Fidel Castro resolveu se envolver na guerra civil de Angola mandando conselheiros militares cubanos para aquele país, corria a piada de que Cuba era um país verdadeiramente multinacional: o governo estava na União Soviética, a economia em Miami e o exército na África. A versão atual de uma peculiar "medicina sem fronteiras" demonstra que os ditadores cubanos e seus simpatizantes continuam imaginativos e solícitos como nunca.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.