A iniciativa no Congresso Nacional de debater mudanças estruturais no Supremo Tribunal Federal é oportuna. A expectativa é de que a análise não se circunscreva à mera implantação de mandato fixo a seus futuros membros. A alteração errática da jurisprudência e o comportamento ativista de ministros nas últimas décadas são sintomas de fenômeno mais complexo: a necessidade de revisão profunda no órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Modelado na Suprema Corte norte-americana, não é possível compará-la com o STF, nem no passado, nem no presente. A única semelhança possível é a indicação e nomeação de seus membros pelo presidente da República, após sabatina e aprovação do Senado. Assim mesmo, no Brasil, a sabatina realizada pelo Senado é meramente ritual. Não se compara com a inquirição e com os levantamentos quanto à vida pregressa dos candidatos a juiz da Suprema Corte realizados nos Estados Unidos.
Hoje não há praticamente matéria imune à jurisdição do STF. E isso não é responsabilidade exclusiva de seus ministros.
E não há nenhuma semelhança entre a Suprema Corte norte-americana e o Supremo Tribunal Federal. Lá vigora a Constituição mais antiga do mundo, de 1787, extremamente enxuta com sete artigos e vinte e sete emendas. Aqui, a Constituição de 1988 a exemplo das Constituições do período é extremamente ampla (com mais de 250 artigos só na parte permanente e com mais de 127 Emendas) e analítica cuidando de numerosos temas de assuntos dos mais diversos.
A Suprema Corte escolhe pouquíssimos casos para julgar por ano (não mais que duas dezenas) e só julga matéria constitucional. No Brasil, o STF é dotado de larguíssima competência originária e recursal sobre diversas matérias, inclusive penal e administrativa, e recebe milhares de processos por ano (cerca de 10 mil). Portanto, o STF não é uma Corte Constitucional, é Corte Suprema. Há grande diferença entre os dois modelos.
No Brasil se desenvolveu modelo híbrido que combina ao menos dois tipos de controle de constitucionalidade chamado de “norte-americano” ou difuso e o “europeu” (abstrato e concentrado). Embora essa classificação esteja dogmaticamente superada porque insuficiente, é certo que as desvantagens de tanta concentração e amplitude de competência são muito maiores que as supostas vantagens da abertura da jurisdição constitucional.
Os exemplos de ativismo exagerado e abusivo praticado pelo Supremo são inúmeros ao longo dos últimos anos.
Hoje não há praticamente matéria imune à jurisdição do STF. E isso não é responsabilidade exclusiva de seus ministros. Estes são obrigados a apreciar e julgar uma gama de conflitos de natureza sensível dada a amplitude da Constituição (fator externo ao STF). Entretanto, em face da enorme abertura conferida pela Constituição ao controle abstrato (CF, artigo 103), e sua interpretação também generosa, passou o Supremo a “interferir” direta ou indiretamente em atividades que seriam exclusivamente reservadas aos poderes eleitos, especialmente o legislativo e o executivo muitas das vezes por mero “capricho” de seus ministros e ministras.
Os exemplos de ativismo exagerado e abusivo praticado pelo Supremo são inúmeros ao longo dos últimos anos. Do mesmo modo também é de ser registrado o fenômeno da “judicialização da política”. Em ambos os casos, a literatura jurídica é farta. Assim como a população tem de cumprir decisões judiciais das quais discorda, ministros do Supremo Tribunal Federal precisam respeitar leis constitucionais que divergem de suas preferências políticas ou ideológicas.
O Supremo não é local para fazer política pública de cotas, não é lugar para premiar ministros, não é lugar para recompensar advogados ou consultores do governo.
Leis imperfeitas devem ser corrigidas pelo Congresso Nacional e não pelo Judiciário. Não é papel do STF alterar leis constitucionais que, por alguma razão, exigem eventual atualização ou retificação legislativa. Nesse contexto, a introdução de mandatos para os novos integrantes do Supremo Tribunal Federal seria modificação importante, desde que associada a outras necessárias para conter o ativismo exacerbado, como por exemplo a indicação obrigatória – conforme o caso – de prazo para o Congresso legislar nos casos de competência originária.
Desta forma, o Supremo não poderia exercer a jurisdição constitucional nos casos em que o Congresso pudesse atuar para modificar uma lei ou ato normativo em período razoável a ser definido caso a caso. Outro problema que merece ser enfrentado diz respeito à escolha em si de candidatos para o Supremo Tribunal Federal. Como bem observa Patrícia Perrone Campos Mello, (Nos Bastidores do STF), embora a escolha de candidatos para o Supremo Tribunal Federal não seja plenamente orientada por aspectos ideológico-partidários, isso não significa que não seja politizada ou que tais aspectos não tenham qualquer influência.
Os critérios que regem a escolha de ministro do Supremo não são claros. Sabe-se que alguns candidatos são “patrocinados” por pessoas influentes no governo, como, por exemplo, por ministros de Estado, por ministros do próprio STF, por governadores, por grupos de interesse e mesmo por pessoas que integram o círculo mais íntimo do relacionamento dos presidentes da República.
Reitero: o Supremo Tribunal Federal não é local para fazer política pública de cotas, não é lugar para premiar ministros de Estado ou altos funcionários do governo, não é lugar para recompensar advogados ou consultores do governo. Não é lugar para contemplar grupos políticos partidários ou para praticar fisiologismo ideológico. É preciso que o indicado(a) tenha efetivamente o respeito nacional ao menos da comunidade jurídica. Nomes desconhecidos nacionalmente, indicados por compadrio – ainda que com algum saber jurídico – devem ser rejeitados pelo Senado.
Para oxigenar e dar novos ares ao STF e sua nova composição, as medidas mais prementes são: mandato de 10 anos (sem possibilidade de recondução), período suficiente para proporcionar alterações não coincidentes com os mandatos do Executivo e do Legislativo; expurgar toda a competência que não é constitucional do STF; melhorar critérios de indicação dos candidatos aumentando limite de idade para 45 anos; submeter os nomes ao Conselho Federal da OAB e ao STJ, e nesta hipótese nenhuma dessas instituições poderia ter candidatos; alterar a composição do Supremo para 15 ministros, adotando modelo com um quinto de indicados dentre professores de Direito Constitucional, eleitos pelo Congresso Nacional, pelo voto da maioria absoluta de seus membros; um quinto eleito pelos Tribunais Superiores (STJ e STF) dentre seus membros; e um quinto indicados pelo presidente da República, dentre professores de Direito Constitucional, Administrativo ou Econômico; um quinto dentre advogados, eleitos pelo Conselho Federal da OAB, e um quinto dentre membros do ministério público federal, eleitos pelo órgão de representação de classe, como proposto por José Afonso, assessor jurídico de Mário Covas na Constituinte de 1987.
O Congresso Nacional não pode perder essa oportunidade para cumprir o seu papel de revisor das leis, inclusive constitucionais. A cidadania brasileira cobrará essa dívida mais cedo ou mais tarde.
Marcelo Figueiredo, advogado e consultor jurídico, é professor associado dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de Direito Constitucional e Direito Constitucional Comparado da PUC-SP.
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