Para nós, judeus, é muito difícil falar do Holocausto. É muito difícil pensar no Holocausto. O sofrimento de nossos antepassados nos causa dor e aflição. O shoá (expressão hebraica para ‘catástrofe’, como nominamos esse flagelo) foi o ato máximo de barbárie que se tem notícia na humanidade. Ou melhor, como descreveu Primo Levi foi o ato máximo de “desumanidade do homem para o homem.”
Ainda assim, por mais amargor que sintamos ao falar dessa tragédia, é dever de todos lembrá-la e repercuti-la perante as novas gerações. É algo que fazemos em muitas ocasiões, destacadamente a 27 de janeiro, data estabelecida pela ONU como Dia Internacional em Memórias das Vítimas do Holocausto. Recebi, com preocupação, um estudo divulgado pelo The Jerusalem Post, que concluiu que 23% dos millenials franceses e holandeses acham que o Holocausto é um mito ou tem números inflacionados. Na Áustria e no Canadá, esse número é de 16% e, no Reino Unido e nos Estados Unidos, 15%. Isso é assustador: à medida que o tempo passa, a memória é esquecida e, o que é pior, convencida de que a realidade não ocorreu. E é função nossa restabelecer a verdade e não deixar que o Holocausto seja esquecido.
Contudo, desde aquela época jamais se viu tanto antissemitismo – o mais prolongado dos ódios – como na atualidade. Ao longo de sua história, o povo judeu foi vítima de perseguições sob os mais diversos pretextos: religioso na Antiguidade e Idade Média; econômico no final do Século XIX; racial na Europa do início do Século XX e no período nazista. Agora, a justificativa é política: a crítica ao sionismo. Em texto reproduzido no Globo na última semana, Cora Rónai pontuou que “um problema clássico dos antissemitas é que eles odeiam ser chamados de antissemitas e fogem pela tangente politicamente correta do antissionismo.”
Nossa palavra tem que ser ouvida. É hora de agir, e não se omitir. É hora de ostentar com orgulho a nossa Estrela de Davi e não escondê-la. É hora de dizer a verdade.
Em clara confusão conceitual – deliberada ou não – críticas a Israel são a justificativa para ofensas ao povo judeu. A legítima reprovação às medidas adotadas pelo governo israelense – um Estado soberano que, como qualquer um, está sujeito ao julgamento da opinião pública – transborda para um inimaginável racismo. Recentemente, uma pessoa de inegável expressão política pediu o boicote aos estabelecimentos comerciais de judeus (e não de israelenses). Como se sentiriam os negros, homossexuais, índios ou quaisquer outras minorias se essa fala fosse a eles dirigida, sobretudo considerando-se a similaridade da sugestão com o que aconteceu no governo nazista?
Vivemos, pois, em tempos de discursos odiosos e silêncios ensurdecedores. E, o que é pior, são discursos e silêncios que perpassam as redes sociais, chegam às universidades e encontram ressonância nos gabinetes de chefes de Estado e lideranças políticas. Conforme advertiu o filósofo e professor Luiz Felipe Pondé, em artigo publicado na Folha de S. Paulo: “O velho antissemitismo volta às ruas, mas, desta vez, comendo de garfo e faca e se comportando dentro da etiqueta acadêmica.”
Num verdadeiro teatro do absurdo, de incrível inversão de valores, vivenciamos um momento em que o Irã é escolhido para presidir conferências sobre direitos humanos e desarmamento; em que terroristas são chamados de vítimas, e vítimas de terroristas; em que um Estado tem de se explicar por se defender; em que debates políticos são a justificativa para o mais abjeto e vil ódio ao próximo. Infelizmente, é atual o questionamento feito por Bertold Brecht durante a 2ª Guerra Mundial: “Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?”
O que fazer? Primeiramente, devemos fazer o que sempre fizemos: ser resilientes. Devemos mostrar a vontade de existir, o instinto de sobrevivência que foi fundamental ao longo da milenar história do povo judeu.
Mas, além disso, não devemos silenciar. Nossa palavra tem que ser ouvida. É hora de agir, e não se omitir. É hora de ostentar com orgulho a nossa Estrela de Davi e não escondê-la. É hora de dizer a verdade. Como bem ponderou George Orwell, “Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário.”
Assim, neste janeiro de 2024, a melhor forma de homenagear as vítimas do Holocausto é lutar por nossa existência; é tentar resgatar os nossos reféns; e é combater o discurso do ódio e do antissemitismo com a força da verdade. Afinal, diz o Talmud, “A verdade fica de pé; a mentira cai.”
PS: Esta é uma mensagem originalmente proferida na Federação Israelita do Paraná em 28 de janeiro, durante a solenidade organizada pela CONIB e pelo Museu do Holocausto de Curitiba em memória às vítimas do Holocausto.
Alexandre Knopfholz, advogado, é presidente da Federação Israelita do Paraná.
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