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Opinião do dia 1

Mensalão e respeito ao Judiciário

A partir de 1.º de agosto, o ex-presidente do PT, ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por formação de quadrilha e corrupção ativa. Será um julgamento histórico, pois, talvez pela primeira vez, poderosos prestarão contas de seus atos à Justiça. Trata-se de uma mudança cultural da maior importância. O recado, independentemente do resultado do julgamento, é claro: ninguém está acima da lei.

José Dirceu, no entanto, manifesta surpreendente dificuldade de transitar nos espaços normais das sociedades democráticas. Alega inocência e se diz vítima da mídia. Falando, recentemente, aos cerca de mil estudantes presentes ao 16.º Congresso Nacional da União da Juventude Socialista, Dirceu afirmou que o julgamento que o aguarda será a "batalha final" e convocou suas milícias. "Essa batalha deve ser travada nas ruas também", conclamou, "senão a gente só vai ouvir uma voz pedindo a condenação, mesmo sem provas". Refere-se à mídia. Daí a obsessão com o chamado "controle social" dos meios de comunicação. Imprensa livre e independente não serve.

A conclamação de Dirceu é também uma rebelião contra as normas vigentes na democracia. O STF, não obstante a solidez da denúncia do procurador-geral da República, só teria um caminho: absolvê-lo. Na hipótese de uma derrota, possibilidade que o atormenta, o caminho não é o respeito ao Judiciário, mas o grito das ruas. O Brasil, no entanto, amadureceu muito. Collor conclamou a população contra a sua destituição. A resposta da sociedade foi pedir o seu impeachment.

O Brasil, felizmente, tem uma imprensa de qualidade e um Judicário que funciona. O então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, nomeado para o cargo pelo ex-presidente Lula, apontou Dirceu como "chefe da quadrilha" ou da "sofisticada organização criminosa" que produziu o mensalão, a compra sistemática de apoio de deputados federais ao governo Lula. A denúncia ao STF foi aceita por unanimidade. No ano passado, o atual procurador-geral, Roberto Gurgel, reconduzido ao cargo pela presidente Dilma Rousseff, ratificou o pedido de condenação de Dirceu e de 35 outros réus.

O primeiro sinal do empenho atual de desmonte do mensalão foi dado pelo ex-presidente Lula. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". A "farsa" derrubou ministros do seu governo, destituiu dezenas de diretores de estatais e mandou para o espaço a cúpula do seu partido. Recentemente, o ex-presidente cometeu um grave equívoco: a constrangedora e extemporânea reunião com o ministro Gilmar Mendes no escritório do ex-ministro Nelson Jobim. Não pegou nada bem.

O esforço investigativo da imprensa está contribuindo para restabelecer o equilíbrio nas relações sociais. Para o jornalismo verdadeiramente ético e independente, não há distinções e imunidades. Os holofotes da mídia têm projetado fachos de luz em zonas turvas do poder. Incomoda? É claro. E deve ser assim. Jornalismo chapa-branca não contribui com a democracia. "Jornalismo", disse George Orwell, "é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é relações públicas".

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS – www.iics.edu.br) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail difranco@iics.org.br

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