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Eu quero que o garçom que trabalha no meu restaurante ganhe bem. Não quero que esse seja o principal motivo de ele estar ali, mas sim, quero que ele ganhe muito bem. Como empresário, preciso encontrar a melhor formula pra que a equação resultado da empresa x salários dos funcionários seja um ganha-ganha. Não basta eu sair dobrando ou triplicando os salários da minha equipe. A conta, obviamente, não é tão simples. Estou inserido num mercado competitivo, em que meu negócio é apenas mais um em luta pela sobrevivência dentre milhares de outros. Dobrar ou triplicar salários aleatoriamente seria cavar minha própria cova. Não, não é porque eu quero juntar cada centavo e virar o homem mais rico do Brasil. Todo negócio precisa dar retorno ao investidor; afinal, se não desse, todo mundo enfiaria o dinheiro no banco e não existiriam mais restaurantes, nem garçons ou cozinheiros. Por isso os termos "valor de mercado", "faixa salarial" e "oferta e procura" são tão conhecidos. Quem dá as diretrizes salariais e de preço é o mercado, não eu. E a lei?

Por lei, sou obrigado a pagar R$ 900 mensais para cada funcionário. Esse é o piso da categoria estabelecido pelo governo. Se eu pagasse o que a lei manda, meu negócio também já estaria sepultado. Um garçom que trabalha na Forneria Copacabana ganha de duas a três vezes esse valor, que varia de acordo com a sua escala e seu desempenho em vendas (10%). Como complemento, ganha benefícios, como plano de saúde, e treinamentos ministrados por especialistas, dentro ou fora da empresa. Não sou só eu que pago assim, é a maioria dos empresários do ramo. São raros os que pagam só o que a lei manda. Vivemos, no Brasil, a era do pleno emprego, e a concorrência anda maior por mão de obra que por clientes. Os investimentos em recrutamento, seleção e manutenção dos funcionários têm sido mais altos do que os investimentos em marketing e propaganda, cenário muito diferente do que há 15 anos. E, por falar em 10%...

Os 10%, mais conhecidos como gorjeta, são a principal pauta das negociações entre patrões e sindicatos, e têm sido assunto para deputados e senadores em Brasília, no Ministério do Trabalho. O fato é que hoje não existe uma lei que regulamente a gorjeta; sendo assim, qualquer restaurante que cobra e paga 10% aos funcionários está irregular. Como não existe regra, cada um faz da maneira que acha melhor. Tem restaurante que finge que a gorjeta não existe e deixa tudo para o garçom, afinal, foi assim que ela nasceu: atende bem, ganha; atende mal, não ganha. Sobre essa grana não incide imposto, o que é bom para o patrão e para o empregado, que pega tudo limpinho na mão. Então, o tempo passa, esse cara sai da empresa, entra com uma ação dizendo que ganhava salário "por fora" e leva uma bolada na Justiça do Trabalho. Uma facada nas costas do patrão, já que o funcionário mesmo pede para ser "por fora" para não pagar impostos. Valores altos o suficiente para jogar um estabelecimento na sarjeta.

Sabendo disso, alguns empresários resolveram administrar a gorjeta e reter uma parte para os riscos com ações trabalhistas e despesas administrativas, como impostos sobre folha de pagamento e taxas de cartão de crédito. O resto é dividido entre todos os funcionários; afinal, se o cliente saiu satisfeito, o barman e a cozinha também tiveram seus méritos nisso. Esse é o melhor modelo, em que todos participam do sistema de meritocracia. Mas, como também não existe lei regularizando a retenção e rateio de gorjeta, quem faz isso ainda corre riscos. Aí é que vem o terceiro modelo, mais engessado e precavido. Nesse sistema, para evitar qualquer tipo de risco, o restaurante não cobra 10% na conta e paga um salário mensal fixo pré-estabelecido. Isso prejudica a todos: o funcionário, a empresa e o cliente, já que atender bem ou mal não faz diferença no bolso no fim do mês.

A gorjeta precisa ser reconhecida como "participação nos resultados", o famoso PR, sobre o qual não ocorre a incidência de impostos, assim como nas grandes indústrias. Quanto mais impostos os restaurantes pagarem sobre mão de obra, maior será a diferença entre o valor gasto para comer em casa e o valor gasto para comer fora de casa. Isso fará com que as pessoas saiam menos para almoçar ou jantar. Não queremos isso. Os garçons não querem isso. Restaurante vazio não sobrevive.

É espantosa a morosidade do Ministério do Trabalho para resolver um assunto de tamanha simplicidade. Causa disso é a truculência e o superprotecionismo dos sindicatos da categoria, que insistem em um ideal antigo, lutando por direitos medíocres, que, em vez de estimular, dificultam e encarecem cada vez mais a contratação, inibindo o crescimento do país e a geração de novos empregos. Falta dinâmica. É preciso simplificar, fazer fluir. A defesa dos direitos do trabalhador proveniente daquele Brasil pós-escravagista não pode mais perdurar. Essa não é mais uma reivindicação unilateral. Muitos trabalhadores já têm consciência disso e também pedem mais flexibilidade nas relações formais de emprego. O sindicato dos trabalhadores tem feito um desfavor para aqueles que diz defender.

Aí você me pergunta: "e o que eu tenho a ver com isso?" Então: quem você acha que paga toda essa conta, meu caro? Estamos, no fundo, lutando por você.

Beto Madalosso é empresário e está à frente dos restaurantes Forneria Copacabana e Famiglia Fadanelli.

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