A inevitável demissão de Antônio Palocci, o mais talentoso ator da trupe lulista, escancarou o tumor que corrói o governo do presidente Lula: a mentira. E o relatório final da CPMI dos Correios, documento razoável, não obstante o malabarismo semântico para ocultar a nudez do rei, acabou revelando uma metástase recidiva: o cinismo.
O novo capítulo da novela nauseante em que se transformou o governo do presidente Lula, sepulcro da esperança sincera de milhões de brasileiros, foi a desproporcionada guerrilha do ministro contra o caseiro. Mas o que assustou no episódio, caro leitor, não foi apenas a prepotência dos poderosos, mas a tomada de consciência, inequívoca e brutal, de que a democracia brasileira e suas instituições estão sendo desmoralizadas por inúmeras autoridades.
Tenho defendido, sistematicamente, a inauguração do Placar da Corrupção. Trata-se de um serviço público que a imprensa pode e deve prestar aos seus leitores. Vamos lá, portanto. A CPMI dos Correios pediu, no total, o indiciamento de 122 pessoas, entre elas ex-ministros, ex-dirigentes do PT e de estatais e 20 parlamentares. O relatório final indiciou, entre outros, os seguintes homens de confiança e amigos do presidente da República:
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Acusações: falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, crime eleitoral e peculato.
José Genoíno, ex-presidente do PT. Acusações: falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e crime eleitoral.
José Dirceu, ex-ministro. Acusações: corrupção ativa.
Luiz Gushiken, ex-ministro. Acusações: tráfico de influência e corrupção ativa.
Sílvio Pereira, ex-secretário do PT. Acusações: tráfico de influência.
Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil. Acusações: falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e peculato.
Fico por aqui, pois meu espaço é limitado. O último elo da corrente criminosa foi, talvez, o mais espantoso. Após uma surrealista sucessão de mentiras, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, disse à Polícia Federal que solicitou os extratos com dados bancários do caseiro Francenildo Costa e, de posse dos papéis, os entregou ao ex-ministro Palocci. A coisa foi pior. O próprio Palocci determinou a quebra do sigilo. Resumo da ópera: o ministro da Fazenda e o presidente da Caixa, uma instituição com notável patrimônio de credibilidade, cometeram crime de violação do sigilo de um correntista. Agora, o imbróglio se aproxima do gabinete do ministro da Justiça.
Mas a tragédia não se esgota na mentira. A síndrome de pinóquio desemboca, dramaticamente, na patologia do cinismo. Mattoso, por exemplo, afirmou que agiu "nos estritos limites da legalidade" ao violar o sigilo bancário do caseiro. Já Palocci, campeão do troféu caradura, afirmou, em sua despedida, que se solicitou o seu "afastamento definitivo" do Ministério da Fazenda, foi para contribuir para a pacificação do país "frente ao quadro conflituoso e tenso".
E o presidente Lula? Sua Excelência, invariavelmente, percorre o mesmo itinerário. Nada sabe e nada vê. Acuado pela força irresistível dos fatos, declara-se traído. E, num recorrente jogo verbal, finge desconhecer a gravidade dos episódios. Crime, na surpreendente lógica presidencial, é erro. O curioso silogismo de Lula é gravíssimo, pois está esgarçando a consciência ética da sociedade. O exemplo que vem de cima sempre tem conseqüências. Para o bem ou para o mal. Na verdade, a opção do presidente, triste e lamentável, foi feita há meses em Paris. Até então, Lula negava o óbvio. Questionado sobre o Caixa 2, disse que o PT só tinha feito o que era feito sistematicamente no Brasil. Falando claro: o presidente da República renunciou ao seu papel constitucional, avalizou a prática do crime e, no mínimo, foi leniente.
O presidente está só. O núcleo duro do governo desabou fustigado por graves acusações de corrupção. Seus amigos e homens de confiança foram caindo. O presidente confia no seu inegável carisma para construir um lulismo sem o destroços do PT. Só lhe falta perceber uma coisa: o sonho acabou. A saga fascinante do operário não será tisnada pela elite. Seu contraponto, misterioso paradoxo, será a voz de um simples caseiro.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia.
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