Quando vi os inesquecíveis José Mentor e Professor Luizinho que os eleitores de São Paulo infelizmente reconduziram ao Congresso comemorando alegremente a vitória do novo presidente da Câmara, pensei: começou mal o processo de renovação prometido para a nova legislatura. Por isso, estou curioso para ler as minúcias do ato que extinguiu mais de mil cargos em comissão na Casa antes de abandonar meu ceticismo. Além do mais, ainda sobraram quase 1.400 cargos do mesmo tipo e a grande inovação moralizadora da Mesa foi declarar que o comparecimento físico de seus ocupantes será ri-go-ro-sa-men-te exigido. Suspeito que se a ameaça for levada a sério (no que também não acredito depois de vê-la renovada periodicamente ao longo dos últimos 50 anos) e dada a existência de outros milhares de funcionários, assistiremos à refutação da lei da impenetrabilidade da matéria, segundo a qual dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar na natureza. Ver para crer.
Cargos em comissão são uma excrescência administrativa em um Estado moderno e representam a sobrevivência no Brasil do patrimonialismo que confunde o que pertence ao domínio público ao domínio privado. "Cargos em comissão", para os não iniciados no burocratês, são aqueles que podem ser preenchidos pelo simples critério de confiança de quem nomeia. A não ser em casos específicos e relativamente raros, nenhuma qualificação é exigida para a nomeação. Os ocupantes de cargos em comissão também são demissíveis ad-nutum, para usar o termo adequado para dizer que seu titular pode ter ocupado aquele cargo por décadas até que, um certo dia, o governante resolve demiti-lo sem mais aquela. Pode fazê-lo sem ter qualquer justificativa, nem pagar qualquer indenização e sem que o demitido tenha qualquer direito. Some-se essas duas características, a capacidade discricionária para nomear e o ilimitado poder de demitir e se entenderá porque os cargos em comissão são a moeda de troca por excelência do clientelismo político: premia-se os amigos, os parentes, os correligionários e cupinchas sem qualquer dificuldade e mantém-se sobre eles a espada da ameaça de demissão súbita, o que lhes lembra a conveniência de cega e irrestrita lealdade a quem nomeou. Não é de estranhar que sejam tão populares entre os governantes e políticos aliados.
Seu número é assombroso: quase 20 mil indivíduos ocupam as chefias e postos de assessoramento superior na estrutura pública federal os cobiçados DAS sem outro requisito que não seja a simples simpatia política (na Inglaterra são menos de 200). O governo Lula demonstrou especial atenção com os "companheiros" e, de 2003 para cá, acrescentou mais dois 2.200 deles aos confortos do regaço da viúva. A propósito: no estado do Paraná não é diferente, guardadas as proporções. O contingente de comissionados é de vários milhares e não pára de crescer pelos mais variados pretextos, mas uma só razão: ter mais lugar para acomodar parentes, amigos e aliados no aparelho estatal. É isso aí, como dizia Zezinho Bonifácio, deputado por Minas Gerais: "o poder consiste em nomear e demitir, prender e soltar, tributar ou anistiar".
Todas as vezes que se levanta o absurdo da situação, corre alguém para dizer que não é bem assim, uma vez que 15 mil dos 20 mil já são funcionários públicos e só 5 mil vieram realmente "de fora". Na realidade, o problema não está em vir de dentro ou de fora da burocracia, mas na vulnerabilidade política desses nomeados. Uma vez que mais de dois terços de suas remunerações vêm do exercício do cargo, é óbvio que contrariar os interesses dos políticos que são seus "donos" significa um desastre financeiro para qualquer um. Daí porque nunca teremos uma verdadeira meritocracia na administração pública brasileira enquanto convivermos com esse anacronismo nocivo. Se o Congresso quiser mesmo moralizar a administração pública, basta que vote uma lei definitiva eliminando 90% dos cargos comissionados na administração brasileira, declarando-os extintos à medida que vaguem daqui para a frente.
Mas, como não acredito que isso aconteça e estamos nas vésperas do Carnaval, vamos cantar juntos a marchinha dos anos 50, ainda atualíssima: "Maria Candelária é alta funcionária, saltou de paraquedas, caiu na letra Ó, Ó, Ó! Coitada da Maria, trabalha noite e dia; trabalha, trabalha, trabalha de fazer dó, ó,ó,ó. A uma vai ao dentista, às duas, vai ao café, às três vai à modista, às quatro assina o ponto e dá no pé" . Substitua-se a referência à "Letra O" por "DAS" e a "modista" por "boutique" e chegaremos ao Brasil dos nossos dias.
Belmiro Valverde Jobim Castro é Ph.D. em Administração Pública.