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"Change" – não se trata de slogan publicitário, invenção de marqueteiro, mote novo para velhas camisetas, modismo. O mundo quer mudar, precisa mudar, se permanecer como está, arrebenta.

E, desta vez, diferentemente dos grandes traumas históricos como a Revolução Francesa (1789) e a 1ª Grande Guerra (1914-1918), o clamor pelas transformações é desarmado, pacífico. Civil e civilizado. Em vez de revoluções, contra-revoluções, quarteladas e guerras sangrentas (que trouxeram mais injustiças do que reparações), a arma da mudança está sendo exibida sem medo: o voto. Voto enérgico, convicto, individualizado, livre de fanatismo e truculência.

A sonhada Era da Mudança só se efetivará se conduzida através da democracia representativa. No grito ou no conchavo, por meio de golpes ou trambiques ficará tudo na mesma. Genuínas mutações serão possíveis desde que processadas dentro de sistemas onde possam ser livremente implementadas e questionadas.

Qualquer que seja o desfecho da eletrizante disputa eleitoral americana na próxima terça-feira – mundo civilizado está torcendo para a vitória de Barack Obama – evidencia-se que os EUA jamais serão os mesmos. Sarah Palin, a barbie convocada para ser vice do republicano John McCain, é uma caricatura feminina de George W. Bush, que por sua vez é uma grosseira caricatura de Ronald Reagan. Uma superpotência não pode resignar-se à condição de álbum de charges.

Barack Obama não é apenas o primeiro candidato negro ou afro-americano com chances de ocupar a Casa Branca. Ele é o único líder político americano que teve a audácia de aposentar os ressentimentos e se assumir como pós-racial. Mais do que isso: pós-religioso, pós-ideológico e pós-nacionalista. Obama encarna a mudança – na biografia, na pessoa, no gesto, nas idéias. Será testado no Colégio Eleitoral americano, mas tem consciência de que a sua tutora é a opinião pública mundial. A campanha eleitoral brasileira, embora em outro âmbito, prometia mudança e substância. Ficou na promessa. A surpreendente coligação belo-horizontina PT-PSDB não passou de jogada entre coronéis da nova geração, puro oportunismo, nenhuma fresta inovadora, nenhum contrapeso conceitual.

A grande surpresa — legítimo fenômeno político — foi o desempenho de Fernando Gabeira. Sua derrota por apenas 55 mil votos num eleitorado de cerca de três milhões e meio de votantes não é uma "vitória moral", é uma conquista concreta, inalienável.

Sozinho, com poucos recursos e quase sem suporte partidário, Gabeira enfrentou as máfias ligadas ao crime organizado, neutralizou o poderoso lobby evangélico, atropelou a tropa de choque do MR-8 a serviço do PC do B e bateu a máquina dos governos municipal e estadual. Foi abatido pela singular abstenção (quase 972 mil ausentes, cerca de 21%), produzida pela antecipação do Dia do Servidor Público para a segunda-feira.

Sua bandeira: mudança. Seu mostruário: ele próprio. Uma postulação política superior, também pós-ideólogica, uma coleção de propostas límpidas despojadas do abominável jargão tecnocrático, a honestidade de apresentar-se como gente, a maneira inteligente de tornar ostensiva a estultice dos rivais, foram recompensadas por este formidável retorno eleitoral.

Gerenciado da mesma forma transparente e determinada, este ativo político poderá transformá-lo no agente da grande virada que o Rio de Janeiro aguarda há quase meio século, desde que a Capital foi despachada para o Planalto Central.

Embora não seja carioca da gema (nasceu em Juiz de Fora) Gabeira representa a quintessência da sofisticação do Rio de Janeiro. Sem ela, a Cidade Maravilhosa continuará como terra-de-ninguém ou, na melhor das hipóteses, linda trincheira na guerra entre milícias, gangues e polícia.

Uma mudança real em Washington mudará o mundo. A continuada pressão por mudanças no Rio poderá injetar esperanças num cenário desbotado, onde impera a mesmice e o dèjá-vu, interminável festival de reprises.

Alberto Dines é jornalista.

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