A publicação recente do livro Mestiçagem, Identidade e Liberdade (Topbooks, 2023), do antropólogo baiano Antônio Risério, com entusiasta apresentação do filósofo brasilo-norte-americano Roberto Mangabeira Unger, marca o retorno do autor ao tema das relações raciais no Brasil inaugurado pelo pioneiro Carnaval Ijexá (1981), seguido de Caymmi: uma utopia de lugar (1993), e A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros (2007).
Retorno que já anuncia dois novos projetos ligados ao assunto: Cidade, Mestiçagem e Ascensão Social e A Questão Parda, após o que o ensaísta promete dar um tempo no tema. Fixa-se, assim, uma contribuição das mais significativas da produção intelectual contemporânea na área, diante da qual nem a universidade, nem qualquer interessado em discutir, em profundidade, o Brasil, passará ao largo.
Livro polêmico, aguerrido, não é, com certeza, apenas uma pedra no caminho dos que no momento se debruçam sobre o assunto.
Passeando com desenvoltura pelos campos da história, antropologia, sociologia e cultura, Antônio Risério coloca sua erudição a serviço do combate frontal e direto à visão institucional, acadêmica, midiática e do movimento identitário a respeito das relações raciais em nosso país. E atira de forma contundente sua argumentação contra o pensamento acadêmico americanizado, que busca reproduzir no Brasil o binarismo estadunidense; contra a visão de poder construída a partir do que chama entre aspas de "racismo estrutural" e a desproporcional, distorcida e determinada cobertura midiática à estratégia de apagar a história real do país e instituir uma farsa identitária cuja mágica é assegurada pela manipulação estatística e ideológica oficial, construída para justificar políticas públicas voltadas para fortalecer o binarismo racial (brancos X pretos) e fazer desparecer do horizonte o que o autor considera a marca do Brasil: a mestiçagem.
O autor não se limita a explorar a equação pretos mais pardos iguais a negros. Ele analisa os pressupostos dessa construção, suas origens ideológicas, os interesses nele implicados e mesmo os benefícios para a política exterior dos Estados Unidos e para o próprio Estado americano em nivelar nosso rico cromatismo ao binarismo segregacionista deles. Tudo para mostrar o óbvio: a presença majoritária do mestiço na nossa realidade biológica e cultural.
Em Carnaval Ijexá (meu preferido), o então jovem antropólogo nos revela uma Bahia reafricanizada pelos afoxés da juventude, reunindo ao frescor da etnografia uma análise pioneira do papel da cultura na reconfiguração das identidades; em A Utopia Brasileira, destaco sua percepção política aguçada na leitura da expansão do neo-pentecostalismo como projeto de poder no país; neste Mestiçagem, Identidade e Liberdade, Risério nos ensina um pouco sobre a complexidade do Brasil, denotando com sua rica fundamentação bibliográfica que, apesar do escandaloso e fulminante bombardeio binário, raça e classe são conceitos indissociáveis no debate em nosso meio e que o caminho não pode ser nem a simplificação grosseira, nem a importação conceitual dos mentalmente colonizados, mas a compreensão crítica de nossas mazelas, indispensáveis a um projeto nacional livre das imposições políticas do exterior, da submissão acadêmica e do recurso racialista redutor que, em nome de combate ao racismo, quase sempre leva ao racismo reverso.
Livro polêmico, aguerrido, não é, com certeza, apenas uma pedra no caminho dos que no momento se debruçam sobre o assunto. É, para usar uma expressão do próprio autor referida ao famoso antropólogo pernambucano Gilberto Freyre, uma verdadeira pedreira.
Gustavo Falcón é sociólogo, jornalista e escritor.
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