| Foto: Divulgação

No meu filme de Natal favorito, Jimmy Stewart diz: “Então, lutei contra a realidade durante 35 anos, doutor, e tenho a satisfação de poder dizer que finalmente a superei”. Não, não estou falando de A Felicidade Não Se Compra, que já vi tantas vezes que comecei a torcer pelo sr. Potter, mas sim de Meu Amigo Harvey, que, pelo menos na superfície, não tem nada de filme de Natal, mas conta a história de um homem cujo melhor amigo é um coelho invisível de mais de 1,80 metro de altura.

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Quase sempre chego ao fim em lágrimas – mas talvez seja porque sou uma manteiga derretida. Sou especialmente suscetível aos especiais desta época – The Snowman, da BBC (“O mundo inteiro parecia estar envolto em uma serenidade de sonho”) é o pior, mas também choro com Rudolph, a Rena do Nariz Vermelho, e não só porque admiro a coragem de Hermey, o Elfo, que se assumiu dentista em uma época em que pouquíssimos personagens de Claymation tiveram a coragem de viver suas vidas de forma autêntica.

Muitas dessas lágrimas que derramo são de felicidade; por que não? Gosto de um milagre de Natal como qualquer outra mulher.

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Às vezes, temo que minhas lágrimas sejam de perda. Filmes de Natal me fazem lembrar dos meus pais, mortos há anos, e da minha irmã, que raramente vejo (ela mora no exterior). Envolvida pelo brilho azulado da tevê, volto a ser criança, protegida na casa dos meus pais, na Pensilvânia, todo o trauma de nossas vidas escondido no futuro distante. Que delícia é poder voltar, ainda que por um instante, àquele mundo – e que tristeza lembrar que ele se foi há muito. É uma perda que me dói mais no Natal.

E é por isso que eu evito as lágrimas de dezembro e, em vez delas, me volto para um coelhão gigante.

Há espíritos que podem nos fazer melhores do que somos, transformar nossas vidas perigosas e caídas em algo sagrado

“Anos atrás, minha mãe costumava me dizer: ‘Neste mundo, Elwood – ela sempre me chamava de Elwood –, você pode ser muito inteligente ou muito agradável’. Bom, durante anos eu fui inteligente. Agora, recomendo ser agradável. E pode citar a frase como sendo minha”, diz Stewart a certa altura. Meu Amigo Harvey, que foi lançado em 1950 e conta a história de Elwood P. Dowd, interpretado por Stewart, é baseado na peça vencedora do Prêmio Pulitzer de Mary Chase. Ao longo do filme, Elwood frustra espetacularmente uma série de situações que o fariam ser internado. Há várias complicações envolvendo o sanatório (Chumley’s Rest) e a irmã sofredora de Elwood, Veta Louise (“Eu não ia querer continuar vivendo se achasse que seria só para comer e dormir e tirar a roupa, que dizer, vesti-la.”).

Harvey, o coelho, é invisível para a maioria – e por que não? Ele é um “pooka” (“Um espírito de fada em forma de animal, sempre muito grande”, explica Stewart). No entanto, com ou sem coelho, Elwood agrega encanto a tudo o que encontra: “Sempre passo muito bem, aonde quer que vá, com quem quer que esteja. Estou me divertindo horrores aqui agora”, afirma.

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É impossível assistir ao filme sem se contaminar com um pouquinho de Elwood P. Dowd. Gosto de vê-lo logo antes das festas porque faz com que minhas tristezas e exasperações com o mundo se dissolvam como a neve em uma luva quentinha. Quando acaba, fico para lá e para cá com aquela sensação de encantamento – pelo menos durante um tempo –, encarando o mundo com os mesmos olhos que tinha quando criança, quando acreditava em todas aquelas coisas que hoje parecem impossíveis.

Francisco Escorsim:O Natal da confiança (12 de dezembro de 2017)

Leia também: A crescente secularização do Natal (artigo do padre Joaquim Parron, publicado em 24 de dezembro de 2014)

Falando em impossível, é o Linus, em O Natal do Charlie Brown, que sobe ao palco para recitar Lucas 2, 13-14: “E no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo: ‘Glória a Deus nas alturas, paz na terra aos homens de boa vontade!’”. Em momento semelhante em Meu Amigo Harvey, Elwood explica o que acontece quando entra em um bar com seu amigo gigante invisível: “Harvey e eu nos deleitamos nesses momentos calorosos. Entramos como estranhos e logo fazemos amigos. Gente que nos conta as coisas terríveis que fizeram e as coisas maravilhosas que farão; suas esperanças, arrependimentos, seus amores e ódios. Tudo muito amplo, já que ninguém leva nada pequeno para um bar. Aí eu lhes apresento Harvey, maior e mais grandioso do que qualquer coisa que podem me oferecer. E quando vão embora, saem impressionados”.

“Não tem ninguém que possa me dizer do que se trata o Natal?”, lamenta Charlie Brown. Eu não sou o Linus, mas, se as festas têm algum significado, é o da crença nas coisas que não podemos ver, e que inclui sentimentos como fé, esperança e amor, mesmo que os outros o considerem louco por acreditar nessas coisas. Que tudo aquilo que perdemos – pais, amigos, até mesmo a versão mais jovem de nós mesmos – continua vivo, dentro de nós. Que, na verdade, há espíritos que podem nos fazer melhores do que somos, transformar nossas vidas perigosas e caídas em algo sagrado.

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Quase no fim de Meu Amigo Harvey, Elwood se encontra com a mulher de seu psiquiatra e conta para ela sobre seu amigo. “Um pooka? É alguma novidade?”, ela pergunta. “Não, não é. Segundo me consta, é algo muito antigo”, Elwood responde com um sorriso.

Jennifer Finney Boylan