É sutil o estado de graça que rege as relações entre nossos filhos e pais. No entanto, as obrigações do dia-a-dia e os interesses individuais não nos deixam perceber esse sagrado. Na maioria das vezes, só conseguimos sentir a sua existência quando confrontamos ocasiões de intensa comoção: ausências, conflitos, acidentes, dificuldades, doenças e morte.

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A não-percepção desta força sagrada aumenta quando colocamos assuntos de ordem material como prioridade nos relacionamentos e induzimos nossos filhos a uma péssima troca – quinquilharias ao invés de afeto. Excesso de presentes e agrados materiais compromete o futuro. Criamos descendentes ricos, mas ao mesmo tempo vazios de bons significados. E como uma geração leva a outra, o afeto que faz a ligação entre nossas almas se perde. A busca desesperada por alguma coisa que não sabemos o que é nos leva à infelicidade.

A complexidade do mundo moderno com suas máquinas, equipamentos e as exigências descabidas de Cronos, o deus do tempo, afastam-nos dos rituais familiares necessários à vida, fazendo-nos buscar um falso conforto nos livros de auto-ajuda e no cinismo dos gurus da hora. A proposta das editoras de auto-ajuda é proporcional à carência afetiva da sociedade, fato visível nas prateleiras e nas ofertas das livrarias. Deus, tende piedade de nós!

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Qualquer estrutura humana, fora do seu ritmo biológico e espiritual, com o tempo se desintegra e com isto vem o sofrimento, a dor e o arrependimento. Por que não fiquei mais tempo com os meus filhos? É a pergunta que todo pai um dia se faz intimamente.

Recente ouvi um cientista dizer que a nossa noção de morte é um pouco equivocada porque quando um ser vivo consegue transmitir o seu DNA e gerar um descendente, significa biologicamente que ele não morreu, pois estará presente nas células do ser gerado e nos descendentes que virão depois deste, "ad eternun".

O poeta Carlos Drummond de Andrade grafou sabiamente: "De tudo restou um pouco, restou um pouco do seu queixo no queixo da sua filha." A representatividade deste sagrado manifesta-se até na maneira como o seu filho segura um garfo, mexe a boca ou sorri. Repare o seu modo de andar aparecendo na forma do andar do seu filho, no formato da sua mão na mão da sua filha, a sua velha mania na nova mania do seu neto. E como as coisas sagradas precisam ser reverenciadas, não espere o dia das mães, dos pais ou o Natal para se lembrar disso. Cada vez que vir o seu menino, veja você e o seu pai se perpetuando em uma nova vida. É assim que sempre foi e assim será por toda a eternidade. Você só estará aqui, passados mil anos, porque as próximas gerações carregam um pouco de você. Essa passagem de bastão, de tarefas, de jeito de ser é que faz a nossa permanência na Terra tão especial.

Por isso, da próxima vez que for brigar, falar de maneira áspera, repreender um filho, ou retrucar o seu pai, pense se não está brigando consigo mesmo, com a sua imagem refletida no espelho da vida. Pense, por mais difícil que for a relação, se não seria melhor procurar o entendimento.

O excesso de mídia, de informações e a falta de tempo para a contemplação e introspecção afastam-nos dos valores mais profundos e inconscientes. É por isso que às vezes sentimos um vazio em nossas vidas. O sagrado está e mora em nós e nem o percebemos mais. Troque o seu "agora não posso" por alguns momentos de relaxamento, converse com os seus entes queridos. Se a conversa não fluir, não tem importância, fiquem juntos que uma hora destrava. Nunca se esqueça que relações necessitam de administração e árduo trabalho de manutenção.

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A relação meus pais, eu e meus filhos é tão sagrada que o próprio criador enviou seu filho para representá-lo entre nós. E Ele sabiamente nos ensinou a orar, colocando já na primeira frase: Pai nosso que estais no céu...

Eloi Zanetti é especialista em marketing e comunicação corporativo e autor do livro "O Nó do Afeto". eloizanetti@terra.com.br