Não há crescimento econômico duradouro e saudável sem uma oferta de crédito estável, acessível e de baixo custo ao tomador final. Tais condições, infelizmente, inexistem no Brasil; nosso mercado creditício é escasso, inacessível a muitos e, regra geral, dispõe de juros proibitivos. Isso significa que empreender em nosso país é um convite ao desalento: de forma velada, prefere-se a perpetuação da miséria ao incentivo da produtividade pela via do trabalho sério e responsável. Triste, mas real.
Na verdade, a lei vale muito pouco no Brasil. Somos um país de injustiças absolutas e ilegalidades festivas. O fenômeno não é de hoje e talvez explique ao menos parte da nossa insistente pobreza e subdesenvolvimento. Aliás, a Constituição Federal, ao regulamentar a ordem econômica e financeira, estabeleceu a “livre iniciativa” como um vetor da política pública nacional. Todavia, a regra sobre o papel é mais um sonho que não se realizou.
Isso porque, para ser livre, a iniciativa não pode ter amarras nem impor dificuldades sem sentido. Ou seja, uma realidade institucional que asfixia a espontaneidade natural e as virtudes transformadoras do empreendedorismo faz da liberdade a refém cativa do atraso, da burocracia e da corrupção de balcão. Estruturalmente, como bem aponta o professor Paul Collier em seu excelente The Future of Capitalism, é preciso “restaurar a ética nas organizações” e, assim, termos a coragem de fazer simplesmente o que é certo.
Aos poucos, começam a surgir novas luzes no horizonte. O município de Porto Alegre, seguindo o exemplo de outras cidades brasileiras, prepara implementação de robusto programa de microcrédito local. O objetivo é ajudar os mais vulneráveis a ingressarem no círculo virtuoso do empreendedorismo, gerando renda, inteligência negocial e mobilidade social ascendente. Decididamente, a pobreza não é nem pode ser uma sentença perpétua à indignidade, exigindo efetivas ações governamentais de inserção produtiva dos desfavorecidos nas lógicas do mercado e nas virtudes do trabalho.
Nos termos da Lei 13.636/2018, o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) traduz, sem rodeios, política creditícia aderente à acidentada realidade brasileira; registra-se que a norma, como organismo vivo que é, comporta aperfeiçoamentos instrumentais, devendo ser otimizada, por critérios de fidúcia, tecnologia e inteligência econômica, para potencializar tração nos estados e municipalidades locais. Em importante diretriz do futuro, o Banco Central do Brasil, em recente estudo temático, foi categórico ao dispor que “a expansão quantitativa e qualitativa do microcrédito é uma prioridade” que “guiará as ações da Instituição nos próximos anos”.
Ora, se queremos melhores respostas, não podemos repetir as surradas estratégias do passado. Por assim ser, as políticas municipais de microcrédito estão inseridas em amplo contexto de rearranjo creditício nacional que, historicamente, por filtros rígidos ou anacrônicos, alija milhões de brasileiros do sistema financeiro tradicional, impedindo o primeiro passo em direção a uma vida melhor. Frisa-se que, além do peixe, é fundamental também ensinarmos a pescar: a concessão exitosa de microcrédito pressupõe concomitantes medidas educacionais aos beneficiários, cabendo, ato contínuo, às instituições de crédito fiscalizarem o bom uso do numerário, evitando o desvio de finalidade ou a espiral do endividamento familiar.
Em época de impressionante riqueza de dados circunstanciais, é possível ao poder público reduzir a assimetria de informação, georreferenciando dinamicamente o público-alvo em atividades comerciais segmentadas; tal alavanca analítica possibilitará maior assertividade financeira, gerando margem para a queda dos custos finais da operação. Adicionalmente, o estímulo à constituição de inovadores fundos garantidores focais poderá conectar o mercado à legião de brasileiros que navega abaixo do radar dos bancos comerciais. Ao final, teremos mais crédito produtivo barato ao consumidor, maior riqueza informacional dos dados, ampliação qualitativa da base bancária e maiores níveis de formalidade laboral.
Não raro, pequenos gestos são capazes de impactos gigantescos. Eis aí a razão de ser do microcrédito: gerar macro-oportunidades a pobres e desfavorecidos, dignificando-os com práticas de mercado conscientes e inclusivas em um caminho de prosperidade civilizatória.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.
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