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Milícias concretas ou virtuais
| Foto: TheDigitalArtist/Pixabay

Os recentes ataques a bancos em pequenas cidades, inexplicáveis pela exibição de poderio e violência por parte de grupos armados – quase como se pretendessem mandar recados às autoridades constituídas e comunidade, mostrando que nada temem, que seu poder de fogo é imenso e não será detido por nenhum dos aparatos legais –, são por isso mesmo bastante preocupantes. Segundo analistas, isso seria consequência das ações judiciais sobre as grandes facções criminosas, atuando diretamente sobre suas finanças, o que demandaria necessidade de refazer o “caixa” e pontuar protagonismo no mundo do crime.

Assim como passamos a nos orgulhar da ignorância, iremos agora nos jactar da brutalidade, da grosseria, da selvageria; e estas pautas, tanto das milícias físicas, compostas algumas vezes (para a nossa vergonha) por policiais que deveriam defender a paz e a ordem, quanto as digitais, protegidas pelo anonimato para praticar seus desmandos, em certos casos sob suspeita de ligação com personagens de grande expressão na vida pública, são perigosas, racistas, xenófobas, misóginas e homofóbicas, além de mentirosas.

Em qualquer jornal ou plataforma noticiosa constatamos o festival de sandices e deselegâncias instalado no país, que provoca desgosto com as poucas luzes sobre temas básicos, evidências da quase inexistente educação formal ou informal, predominante numa certa camada da população que esperávamos esclarecida e capaz de distinguir entre liberdade de expressão e licença para calúnia. O reinado da barbárie se instalou, puxado pelas redes sociais; atingiu nosso dia a dia, nossos relacionamentos interpessoais e até nosso senso de humor, que jamais esteve tão ríspido e impertinente quanto agora.

Ataques cibernéticos ao Tribunal Superior Eleitoral nesta última eleição, mesmo não tendo conseguido interferir no resultado das urnas, tentaram derrubar, sem sucesso, o processo de totalização de votos. A intenção óbvia de provocar impacto e sensação de fragilidade do sistema, seguramente por parte de milícias digitais e grupos extremistas, é sinal sério do ambiente de ódio e politização, no mau sentido, em que estamos imersos.

Mesmo sintoma no fato da interrupção propositada, por parte de agrupamentos que se creem detentores da verdade sobre determinados temas, das lives sobre alguns assuntos como direitos das minorias, representatividade feminina em certos setores, campanhas de candidatos em processos eleitorais identificados com causas denominadas progressistas, entre outros. Algumas destas intervenções são acompanhadas de declarações chulas, imagens pornográficas, palavras de ordem inconvenientes, o que constrange e intimida os organizadores e também os participantes dos eventos, que hoje, dada a pandemia, representam a única forma de contato possível entre pessoas que gostariam de compartilhar/divulgar algumas propostas, com a civilidade necessária mesmo para aqueles que não comungam das mesmas ideias.

Um artigo publicado em qualquer mídia enseja o ataque imediato ao autor, com acusações muitas vezes aleatórias e sem estrita correspondência com o conteúdo do texto, refletindo mais a oportunidade de expor os conceitos do agressor – eventualmente um pouco desconexos – e cancelamento de outros pontos de vista que uma verdadeira discussão sobre os tópicos expostos. Causam constrangimento de expor conceitos, como se isso constituísse crime passível de ataques virulentos e não um saudável exercício democrático, tornam a crença na diversidade e o respeito aos demais virtudes fora de moda.

Incrivelmente, estas atitudes parecem inspiradas por nossos dirigentes nacionais, constituídos na maioria por pessoas de pouco desenvolvimento cognitivo, desaforadas nas expressões que refletem seu limitado alcance intelectual, tendo por guia um pretenso astrólogo de palavreado obsceno, manifestantes de indelicadeza e inadequação em relação a mulheres, negros, crianças e população LGBTQ+, falando – inclusive em pronunciamentos formais – o que vem à cabeça, sem o menor cuidado lógico, em nome de uma alegada “sinceridade”, dando ordens e contraordens diárias, e um péssimo exemplo.

Precisamos voltar a admirar cultura e civilização.

Wanda Camargo é educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).

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