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 | Rogério Alves/TV Senado/Fotos Públicas
| Foto: Rogério Alves/TV Senado/Fotos Públicas

Desde quando os paulistas romperam a Mantiqueira e a Serra do Espinhaço, nos fins do século 17, mamelucos que mal falavam o português, com seus pés rachados e barbas hirsutas, abrindo picadas, derrubando a mata para plantar milho e criar porcos, matando muitos bugres e submetendo outros tantos ao trabalho servil, as Minas iniciaram sua história de devastação da natureza exuberante de rios e morros, florestas, animais e altivos índios.

O caminho da destruição começa com a descoberta do ouro no Ribeirão do Carmo, no Rio Casca, no Vale do Rio das Velhas e no Rio Tripuí, de onde surgirão Mariana, São João del-Rei, Sabará e a Vila Rica do Ouro Preto. Depois, adentrando-se no Mato Dentro, passando pela Serra da Piedade, pelo cume de Itabira, até o Sêrro para, finalmente, chegar aos diamantes de Tijuco.

Minas mantém sua vocação de extração de metais, reservatórios de lama e destruição de rios e matas

No processo que se estende por quase um século, desvia-se a correnteza das águas, abandona-se uma área pela outra, deixando um mar de cascalho revirado. E os esbulhadores não se contentam com os leitos dos rios, abrindo clareiras nas matas ciliares, escavações profundas, chamadas de “catas”. Daí vêm as “grupiaras”, mineração morro acima. E, com elas, as queimadas que devastaram os mananciais e puseram em risco bichos e as madeiras de lei. A terra seca e sem proteção perde a fertilidade com as chuvas e racham, criando capoeiras e boqueirões. Muda a paisagem e assentam-se as cidades, com suas igrejinhas no alto do morro e suas casas com varandões e sobrados com porões onde porcos e escravos dividiam o espaço imundo.

A água tornava-se fundamental quando a exploração do ouro chega ao alto dos morros. Acumulada em grandes reservatórios, trazia a lama para o pé da montanha até os “mundéus”, reservatórios enormes nos quais a lama era decantada e separava-se, com a ajuda das bateias, o ouro tão procurado.

Reservatórios gigantescos, lama morro abaixo, povoados se espalhando pelo entorno. Crônica de um futuro conhecido.

O ouro trouxe os tropeiros do Sul e do Nordeste. O caminho novo que se abriu, em direção ao porto do Rio, levou ouro e trouxe escravos. O reino, risonho, manda funcionários, soldados, padres. E farta-se com o quinto – toneladas! Enquanto havia abundância, pagava-se sem muito reclamar. Com o declínio das minas, a metrópole impõe restrições à manufatura – as primeiras metalurgias já se instalavam na região – e ameaça com cobranças à força dos impostos devidos. Era a derrama. O povo das Minas, crescido no isolamento das montanhas, com seu ar circunspecto e desconfiado, começa a discordar daquilo tudo. Os filhos dos mais abastados, estudados em Coimbra, trazem de lá ideias de igualdade e emancipação. Juntam-se os fazendeiros, altos funcionários, uns tantos idealistas, como o alferes conhecido pela alcunha de Tiradentes, pensam em romper com aquelas proibições e, principalmente, aquele arrocho tributário. O movimento fracassa e a grande mineração dá seus últimos suspiros pelos fins do século 18.

Mas Minas mantém sua vocação de extração de metais, reservatórios de lama e destruição de rios e matas. Há um ano, o desastre-crime de Mariana lembrou isso ao país e ao mundo.

Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de História do Brasil no Curso Positivo.
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