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Além de Marcos Sá Correa, autor do furo jornalístico da operação "Brother Sam", devo ser dos raros brasileiros que queimaram pestanas sobre os documentos secretos da Biblioteca Lyndon Johnson, em Austin, Texas. Na época, em 1975, eu era conselheiro da embaixada do Brasil em Washington.

Naquele clima de tímida abertura do general Geisel e incipiente relaxamento da censura, estourara como bomba a revelação pelo Jornal do Brasil de que o governo americano tinha preparado um plano de contingência para apoiar logisticamente os militares rebeldes, caso houvesse luta prolongada em abril de 64.

Dias depois da publicação, recebi instruções sigilosas para verificar em Austin o que mais continha de comprometedor o arquivo secreto do presidente Johnson. Como a parte espetacular já havia sido divulgada pelo jornal, concentrei-me nos meses de preparação do golpe e, sobretudo, na colaboração que se seguiu. Despachei ao Itamaraty quilos de documentos. Até hoje não sei se alguém chegou a ler a maçaroca ou os papeis se juntaram ao mar morto de arquivos nunca lidos.

O que mais me impressionou de saída foi a intimidade extraordinária que se criou entre os funcionários americanos chefiados pelo embaixador Lincoln Gordon e a equipe tecnocrática incumbida de planejar o governo Castelo Branco, dirigida por Roberto Campos. Os EUA estavam de fato empenhados em converter o Brasil numa espécie de vitrina de sucesso de uma experiência anticomunista inspirada nos melhores padrões das instituições ianques.

Talvez tenha sido uma das primeiras tentativas de "nation building", de engenharia social para reconstruir um país desde zero. Chegava-se à ingenuidade de discutir em telegrama de quase cem páginas qual deveria ser o salário das professoras primárias!

Os americanos de então não se pareciam aos trogloditas da era Reagan ou de Bush filho. Remanescentes da presidência Kennedy, crentes na Aliança para o Progresso, partilhavam com Johnson a fé no ativismo social das leis contra a segregação, dos programas de saúde e assistência aos pobres da Great Society. Ao mesmo tempo, eram soldados da Guerra Fria, dispostos a pagar, nas fatídicas palavras de Kennedy, qualquer preço e confrontar qualquer adversário para assegurar a liberdade.

Na sua "História da Guerra Fria", André Fontaine enxerga no golpe brasileiro a primeira manifestação de uma tendência: o apoio dos EUA a movimentos armados contra governos simpáticos à União Soviética. Logo depois da derrubada de Goulart, ocorreria o incidente do Golfo de Tonquim, começo da trágica escalada da Guerra do Vietnã. No ano seguinte, a intervenção na República Dominicana, o golpe contra Ben Bella na Argélia, o massacre de 300.000 comunistas na Indonésia dariam sequência à série, que culminaria com o golpe argentino de 66 e o dos coronéis gregos de 67.

Não foram os americanos que provocaram a polarização e a radicalização da sociedade brasileira. Quis, porém, a fatalidade que coincidisse com o acirramento do conflito ideológico mundial um fenômeno nacional que, em condições diversas, talvez não nos tivesse feito perder 20 anos de democracia.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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