O porvir é uma autarquia? Em que momento começa o amanhã e termina o hoje? Existe algum alarme para avisar que o agora está esgotado e já começou o depois? Será possível circunscrever uma ação imediata retirando dela as inevitáveis conseqüências e decorrências? E o verbo planejar é apenas um sinônimo de fantasiar? Quando o ministro da Defesa, Waldir Pires, afirma que o colapso da aviação comercial brasileira deve demorar um ano para ser sanado, porventura está oferecendo o abacaxi ao novo colega, Roberto Mangabeira Unger, recém-empossado como secretário de Planejamento de Longo Prazo?
Ao sugerir o nome do correligionário para ocupar um cargo no primeiro escalão do governo, o vice José Alencar certamente não cogitava sobre o teor metafísico da nova pasta, nem sobre o emperramento de uma máquina administrativa fatiada em 37 gerências, grande parte delas redundantes. O ex-presidente da enxuta Coteminas queria apenas valorizar, à custa do erário, o partido que criou (o PRB) e premiar um guru que há uma década fascina nossa elite política e a sua periferia.
A cerimônia de posse do professor de Harvard foi, no mínimo, exótica. Nada a ver com os constrangimentos explícitos ou subentendidos, nem com o sotaque cultivado (mais para o alemão do que para o americano), ou a postura crispada (oposta ao binômio relaxar & gozar proposto pela colega Marta Suplicy). Não chega a surpreender o ziguezague de um currículo político que começa na esquerda messiânica, delirante, e termina na direita evangélica exaltada.
O que chama a atenção é o imenso faz-de-conta que envolve este Ministério do Futuro, meio termo entre Ilha da Fantasia e a Olímpia grega. O "momento mágico" referido pelo novo ministro em seu discurso inaugural lembra o ufanismo do Conde Afonso Celso que no início do século XX recusava enxergar as realidades da primeira década da República e, em troca, oferecia uma quimera neoclássica pintada com a palheta do pós-romantismo.
O estímulo à auto-estima que dominou parte do primeiro mandato do presidente Lula aceitável como resposta aos desafios deverá ser trocada pela importação e transposição de modelos pré-fabricados. A idéia simplista e irreal de que a Coréia do Sul transformou-se em potência econômica graças à adoção da ética protestante não se ajusta à realidade da corrupção reinante nas suas altas esferas políticas e econômicas.
O grande salto sul-coreano deu-se através dos maciços investimentos em educação. Para isso não precisamos de mais um ministro, nem de mais um ministério nem contratar 83 novos D.A.S. Basta reverter algumas prioridades e hoje mesmo investir pesadamente no Ministério da Educação.
Este utopismo dito estratégico é uma réplica do projeto social-bolivariano de Hugo Chávez, embora com teor oposto. Trocou o furor xenófobo do coronel-caudilho por um êxtase novidadeiro e primeiro-mundista.
O nosso futuro está sendo desenhado neste exato momento na Câmara Federal aparvalhada este é o termo diante da urgência urgentíssima da reforma política. Nosso futuro depende deste estranho fenômeno chamado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que já deu a luz a meia dúzia de filhotes, mas não conseguiu sequer iniciar uma obra de infra-estrutura. Nosso futuro depende do enxugamento da máquina estatal com a extinção de, pelo menos, uma dúzia de ministérios e, ao mesmo tempo, do fortalecimento do Estado para evitar os desmandos promovidos pelo "mercado".
A mais conhecida utopia brasileira, "Brasil, um País do Futuro" de Stefan Zweig foi concebida como uma alternativa ao nazi-fascismo, ao stalinismo e ao materialismo dos EUA pré-Roosevelt. Em setembro de 1941, há 66 anos, aquele projeto representava uma opção humanista de desenvolvimento. Hoje integra a coleção de oportunidades perdidas.
Tanto em matéria política como em tempos verbais, o futuro sem apego ao presente, acaba sempre em lamentável condicional.
Alberto Dines é jornalista.