Os termos são os mais variados e passam da criminalização da política até a politização do crime. Fato é que as entranhas das estruturas do Estado abrigaram sistemas e mecanismos de corrupção profundas e originaram diversas investigações que desbarataram em diversos esquemas de desvios de dinheiro público. O resultado, de forma clara e simples, se voltou para a política.
Nos dias atuais, o Brasil segue o mesmo script vivido pela Itália após a Operação Mãos Limpas, ou seja, um clima de restauração que passa pela aprovação de leis para proteger a classe política e tornar as investigações das procuradorias e da magistratura mais difíceis, assim como processos e denúncias contra magistrados e procuradores como forma de deslegitimar suas ações e reputações. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Uma nação grande e forte jamais será construída em cima de revisões da verdade, reescrevendo o passado e mudando a realidade de nossa história.
Os críticos falam que investigações de combate à corrupção levaram a criminalização da política e que seriam responsáveis pelos rumos que o país tomou. Na verdade, é um argumento frágil, pois se não houvesse corrupção, jamais haveria criminalização da política e, se isso ocorreu, deve-se pura e simplesmente ao sistema de corrupção desenhado pelo sistema político, apanhado pelo delito pelos órgãos de controle.
Esse revisionismo em curso no Brasil é extremamente danoso para a sociedade, fruto de um movimento que visa acomodar aos que comandam o processo de restauração. Fato é que o país precisa aprender com os erros e acertos do passado e enxergar o futuro de forma madura, certo de que uma nação grande e forte jamais será construída em cima de revisões da verdade, reescrevendo o passado e mudando a realidade de nossa história.
O revisionismo que menciono vem acompanhado da politização da Justiça, que começou no governo passado e caminha a passos largos no país, com o desmonte de operações contra a corrupção, aprovação de leis que limitam o poder investigador dos órgãos de controle e a anulação de condenações. Ao operar esse projeto de restauração, a política mostra que jamais desejou corrigir seus erros, mas apenas tornar o ambiente mais seguro e próspero para novos mecanismos de desvio de dinheiro público.
O Brasil perdeu uma grande oportunidade de implementar um leque de mudanças que tornasse o país justo e sério no trato com a coisa pública. Coisa similar ao que ocorreu na Itália. Antonio Di Pietro, que esteve à frente da operação Mãos Limpas, diz que hoje os delitos são cometidos com maior inteligência criminal. É possível que o mesmo ocorra em nosso país. Apesar do esforço das forças-tarefas anticorrupção, a capacidade de luta e regeneração do sistema em ambos países mostrou sua face com enorme resiliência.
O sistema mostrou sua força e isso é uma péssima notícia para o Brasil. Um processo que não é exclusivo da direita ou da esquerda no espectro político, mas uma falha em nossa matriz moral e nossa capacidade de fazer o certo. Hoje, somos reféns de um sistema por todos os lados, que se regenera por meio da restauração e revisionismos. A politização do crime se tornou instrumento dessa triste realidade, assim como a politização da Justiça.
Márcio Coimbra, presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, é cientista político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Foi diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.
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