O mês da consciência negra trouxe questões de suma importância como a existência de democracia racial. Esse conceito sugere que negros e brancos convivem em harmonia, com oportunidades iguais de existência. Frases como “somos um só”, “todas as vidas importam” e “a única raça é a humana” são mais corriqueiras do que se possa imaginar, mas será que ela corresponde à verdade em um país, como o Brasil, onde mais da metade da população é de pessoas pretas?
Discutir de maneira mais aprofundada o racismo e as formas sutis como ele se consolidou e acontece dentro da sociedade brasileira, partindo do conceito de democracia racial, é necessário para a desobstrução desta percepção já estruturada no tecido social. Vivemos uma inversão da realidade brasileira sobre suas relações raciais, em que se vê a tentativa de eliminar qualquer possibilidade de políticas compensatórias pelo Estado para as populações que historicamente sofrem mais violações de direitos, incluindo a população negra.
O Atlas da Violência, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ressalta que uma das principais expressões das desigualdades raciais no Brasil é a alta concentração nos índices de violência contra a população negra. Segundo o estudo, pretos e pardos representaram 77% das vítimas de homicídios, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Comparativamente, entre os não negros (soma dos amarelos, brancos e indígenas) a taxa foi de 11,2. A pergunta que fica é: como transformar a ideologia racial oficial em consciência, atitude e poder?
O que muito permeia o pensamento coletivo desde o pós abolição, é que as oportunidades existem de forma equilibrada na sociedade brasileira. Se um negro não as desfruta, a culpa seria exclusivamente dele por não “saber aproveitar” para tal. Portanto, uma das dimensões psicológicas do mito da democracia racial é ter introjetado, tanto nos negros quanto nos não negros, a ideia de incapacidade e inferioridade, resultando em uma completa absolvição do branco e culpabilização do negro pelos seus infortúnios.
A partir disso, a luta contra o racismo passou a ser exclusivamente da população negra, em vez de ser uma reivindicação da sociedade global, já que a culpa pelo racismo seria do próprio negro. Nesse sentido, como forma de trazer à luz da consciência um problema extremamente profundo e quase imperceptível para boa parte da população, surgem as políticas afirmativas que buscam equilibrar e retratar os vários séculos de discriminação e preconceito.
Políticas de cotas, valorização identitária, bolsas de estudo, contratação e promoção no mercado de trabalho, dentre outras políticas públicas, são exemplos de que primeiro é preciso romper uma grande barreira para que, enfim, pretos e brancos possam competir de forma solidamente igualitária pelas mesmas oportunidades.
O processo se torna ainda mais difícil sem a participação consciente e ativa de todos, e não somente das pessoas pretas, na transformação do sistema racial. A solução para os males produzidos pelo racismo passa, necessariamente, pela luta coletiva. A conhecida frase atribuída à filósofa Angela Davis é incisiva e não deixa dúvidas: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”. O caminho é esse se quisermos, de fato, alcançar a tal democracia social em sua plenitude eliminando completamente essa sociedade desigual e excludente.
Carolina Simiema, jornalista especialista em Marketing Digital e mestre em Comunicação, Mídia e Cultura pela Universidade Federal de Goiás (UFG), é coordenadora do portal de conteúdo da Politize!; Luciane de Oliveira, bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal de Lavras, é pesquisadora do Núcleo de Inovação Tecnológica da UFLA (NINTEC-UFLA).
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