A mobilidade urbana – o transporte através de diversos meios, o deslocamento de um ponto ao outro – é considerada uma das principais necessidades das populações que vivem nos grandes centros urbanos. O desenvolvimento das cidades foi influenciado por movimentos que preconizavam a divisão da cidade em quatro funções: habitar, trabalhar, circular e ter lazer. A setorização gerou, inevitavelmente, a necessidade de deslocamento.
Outra característica importante inerente ao processo de urbanização no último século é que este se dá no contexto da industrialização e seus modos de produção. O crescimento dos centros urbanos levou também a um crescimento do consumo de produtos. Os modelos de produção, tais como o Fordismo e o Toyotismo, criados para atender o desejo do ser humano pela propriedade, principalmente do automóvel, deram início ao surgimento de uma produção massiva de itens, bens e produtos em escalas extraordinariamente maiores do que as atingidas por produções antes manuais.
Nenhuma cidade irá comportar o deslocamento de todas as pessoas, cada uma com seu carro
Hoje, 85% da população brasileira vive nos centros urbanos. O automóvel aparece como um grande precursor desse sistema desenvolvimentista: o próprio termo “automóvel” transmite a ideia econômica clássica de que a natureza humana é guiada pela busca de autonomia e mobilidade, cada pessoa é soberana de seu próprio domínio. Os norte-americanos associam de longa data a ideia de liberdade à autonomia e mobilidade. Ser autônomo é ser dono de seu destino, ser autossuficiente e não dependente ou preso aos outros. Mas o fato de ter um carro nos torna realmente autônomos?
Conforme dados de 2018 do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a frota atual no Brasil é de 91 milhões de veículos, sendo que, em 2001, era de 31,9 milhões. Os automóveis, hoje, correspondem a 52,7 milhões, quando antes, em 2001, eram 21,2 milhões. Porém, nos centros urbanos contemporâneos, a capacidade das vias não acompanha o crescimento dessa frota. Aliado a este cenário, soma-se o fato de que no Brasil, em 2016, a energia consumida pelo setor de transportes correspondeu a 32,2% do consumo global, conforme a Empresa de Pesquisa Energética.
O aumento dos engarrafamentos não prejudica apenas os usuários de automóveis, eles afetam diretamente a qualidade do serviço de transporte público coletivo, resultando no aumento da tarifa e perda de usuários, gerando um ciclo vicioso inerente a essa migração dos usuários dos meios coletivos para os individuais.
- O governo Bolsonaro e a mobilidade urbana (artigo de Roberta Marchesi, publicado em 12 de janeiro de 2019)
- Tecnologia e sua vitalidade para o futuro das cidades (artigo de Amilto Francisquevis, publicado em 5 de novembro de 2018)
- Somente o planejamento urbano viabiliza a mobilidade (artigo de Luiz Augusto Pereira de Almeida, publicado em 29 de setembro de 2018)
Essa individualização do deslocamento pelas cidades ocorre graças à precarização dos sistemas públicos e coletivos devido a novas ofertas de serviços mais convidativos, tais como os serviços por aplicativos – seja por modais motorizados individuais, seja pelos recentes aplicativos de micromobilidade, como o compartilhamento de bicicletas e patinetes elétricos, que deveriam ter como função principal complementar uma viagem, levando o usuário ao seu destino final. Fato é que nenhuma cidade irá comportar o deslocamento de todas as pessoas, cada uma com seu carro.
Por isso, a mobilidade urbana e, principalmente, o uso excessivo do automóvel nas cidades devem ser amplamente debatidos e enfatizados no desenvolvimento de políticas públicas que pensem em cidades mais inclusivas, acessíveis para todos, alinhadas sempre a um desenvolvimento sustentável.
Ivo Reck Neto, engenheiro ambiental, especialista em Transportes Terrestres e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento, é associado da Associação dos Engenheiros Ambientais do Paraná.
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